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Discoteca Brasileira: A Bad Donato (1970)

Considerado um marco da música instrumental brasileira, “A Bad Donato” foi gravado por João Donato nos Estados Unidos, em 1972. No ensaio realizado para o livro “João Donato – Trajetória Musical” (Oca, 2023), é narrada a divertida história da gravação do disco.

Cada vez mais admirado pelos pares, Donato ainda não era um produto de massa, como seus colegas bossanovistas já haviam se tornado. Em consequência, nos anos seguintes, ficaria sem entrar novamente no estúdio para discos próprios. Durante esse período, se apresentou em diversos conjuntos, ou acompanhando artistas, como Astrud Gilberto, em turnês pelos Estados Unidos.

Até que, na virada da década de 1970, é convidado para substituir o pianista Osmar Milito, que estava com dificuldades em passar a fronteira norte-americana, em uma pequena turnê do conjunto Bossa Rio, que estava abrindo os shows do conjunto de Sérgio Mendes no Japão. Quem acompanhou a viagem foi Bob Krasnow, o tresloucado diretor do selo californiano Blue Thumb, para gravar as apresentações, que resultaram no disco Bossa Rio Live in Japan. Blue Thumb foi um importante selo de música alternativa, comandado por Krasnow e Tommy Lipuma (hoje o diretor da Verve), que tinha em seu catálogo alguns baluartes do rock psicodélico, como Love e Lovin’ Spoonful, além de músicos mais experimentais, como Captain Beefheart. Krasnow, que havia conquistado espaço na indústria fonográfica trabalhando com os discos de James Brown, era um jovem produtor com gosto pela contracultura. Ele rapidamente se encantou pelo piano original de João Donato.

Certa noite, depois de uma das apresentações para o público japonês, Krasnow foi ao quarto que Donato dividia com o baterista Dom Um Romão e disse: “Rapaz, quando você faz o seu solo no show, eu fico todo arrepiado”. E propôs que, voltando a Los Angeles, Donato gravasse um disco para a Blue Thumb, com total liberdade criativa.

O convite parecia bom demais para ser verdade e Donato, logo que pousou em Los Angeles, voltou para sua calmaria cotidiana, esquecendo-se do compromisso que havia firmado. Até que um dia Emil Richards, um vibrafonista que tocou praticamente todos os grandes músicos norte-americanos, de Frank Sinatra a Frank Zappa, de Beach Boys a Charles Mingus, ligou para ele: “Donato, o Bob está atrás de você para gravar o disco!”  O ultimato foi entendido e Donato procurou a gravadora.

Mesmo com a carta branca da gravadora, ou até mesmo por isso, não foi um disco fácil para Donato criar. Se, no Muito à Vontade, ele adaptou material que já tinha em canções compostas no calor da hora, em pleno estúdio, com uma agilidade de tirar o fôlego de qualquer produtor, agora não sabia o que queria. Foi atrás de ouvir tudo o que estava fazendo sucesso na época, em busca de inspiração. Encontrou apenas uma, que foi fundamental na elaboração do disco: a batida funk de James Brown, de quem incorporou as bases rítmicas suingadas e repetitivas.

Por sorte, Donato estava lidando com uma gravadora disposta a apostar na originalidade. Para além da liberdade de criação do repertório, recebeu autorização para alugar todos os instrumentos que quisesse para o estúdio, às custas da Blue Thumb. Foi a várias lojas e selecionou o que havia de mais moderno na época. Entre eles, um Clavinet, o teclado de timbre lisérgico que Stevie Wonder utilizou na sua clássica gravação de “Superstition”. Mas não foi só aí que a lisergia tomou conta da gravação do disco. O solo de “Lunar Tune”, uma das canções do disco, foi gravado com Donato sob efeito de LSD, como ele mesmo conta:

O pessoal da gravadora era muito doido. Foi o próprio Bob que insistiu para eu tomar LSD: “Não se preocupe, Donato. É só na hora de você fazer o solo”. Ele foi me cozinhando com esse papo, em banho-maria, até me convencer. Quando chegou a hora do solo, ele me deu uma coisa que parecia uma pedrinha de isqueiro. Rapaz! Tomei aquilo e fiquei doido. Sai metendo a mão em tudo que era botão do teclado. Eu via raios saindo das minhas mãos e do meu corpo. Era pra ser só para a gravação do solo, mas a loucura durou um tempão. Só passou no dia seguinte. Eu via raios luminosos saindo do meu corpo e jurava que todo mundo estava vendo.

Foi bem maluco. Eu tinha a sensação de que havia uma fitazinha que deslizava no teclado do piano e fazia “uuuuulll, uuuuulll”, e continuava apertando as teclas. E a confusão ficou ainda mais doida, pois eu havia colocado um pedal wah-wah no teclado. Mas valeu como experiência.

Com as gravações já adiantadas, o disco recebeu o acréscimo de mais um músico brasileiro que estava conquistando o público norte-americano na época: o tecladista Eumir Deodato ouviu por telefone, por acaso, um pouco do que já havia sido gravado, e se entusiasmou com o material. Mesmo estando do outro lado do país, em Nova York, imediatamente decidiu pegar um avião para Los Angeles, onde trabalhou com Donato na criação dos arranjos e finalização das gravações. O resultado é A Bad Donato, que se tornou um dos discos mais festejados de sua carreira, com músicas experimentais com forte base funk. Segundo Donato, “É um álbum estranho, mas lá fora causou grande impacto no meio musical. O que fizemos ali acabou virando moda, mas tudo aconteceu por acaso. Eu estava apenas procurando, experimentando”.

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