Entrevistas realizadas por Sergio Cohn e publicadas na revista Azougue n.1, em 1995, e Azougue n.6, em 1999.
1ºDepoimento – maio de 1995
Meu primeiro livro, Anotações para um Apocalipse, lançado em 1964, reflete inclinações pessoais, resultados de leituras e um determinado ambiente cultural da época. Agora, um ambiente cultural que era uma espécie de microcosmo, ou seja, um ambiente de um grupo relativamente restrito interessado em se sintonizar com tudo aquilo que significasse rebelião, questionamento e contestação da linguagem estabelecida. Este grupo era formado, entre outras pessoas, por mim, Roberto Piva, Décio Bar, Antonio Fernando de Franceschi, Roberto Biccelli e Sergio Lima. Mas nós nunca tivemos a capacidade, porque éramos loucos, éramos excessivamente anárquicos, de nos reunir e administrar um projeto literário. Nós nunca fomos capazes disso, o máximo que fazíamos era arrumar confusão. Fazíamos necrológio – e saíamos distribuindo – de poetas conhecidos da época, indiscriminadamente. Eu cheguei a matar pessoas que agora são minhas amigas, como a Hilda Hilst. Quem estivesse por perto não escapava – Ferreira Gullar, Mario Chamie, os concretistas. Mas, além disso, nós fazíamos leituras conjuntas de poesia e estudávamos os autores de nosso interesse. Eu me lembro, por exemplo, de uma vez na casa do Piva, estava também o Luiz Roberto Salinas Fortes e o Paulo Del Grecco, a gente leu a “Ode marítima” inteirinha, uma hora e meia de leitura. Cada um lia um pedaço, porque aquilo é imenso. Mas isso foi antes da gente se definir como grupo.
Os autores que nos interessavam naquela época, e com os quais estabelecíamos relação, seja no plano da reflexão intelectual ou da criação poética, eram nomes como André Breton, Antonin Artaud, Wilheim Reich. Havia também pessoas como Herbert Marcuse e Norman Brown, que nos fascinaram muito antes de se tornarem ideólogos da contracultura e Octavio Paz, que continua me interessando vivamente até hoje. Na poesia, e no meu caso especialmente (é evidente que todo poeta tem os seus poetas de predileção, aqueles que quando se descobre causam uma impressão mais marcante, uma espécie de susto), o Federico Garcia Lorca de Poeta em Nova York, do seu período de escrita mais delirante. Nós estabelecíamos uma relação com tudo isso, e ela se refletia no modo como escrevíamos. Fazíamos plantão na porta da Livraria Francesa para comprar os volumes da obra completa do Artaud, à medida que saía na França. Quando entrei em contato com esse ambiente literário, eram pessoas que tinham tido um frenesi de leituras de Hegel e estavam embebidas em Nietzsche, nos existencialistas, e ao mesmo tempo num processo de descoberta do surrealismo e da geração beat. Esses dois últimos movimentos tinham um sentido de ruptura definitiva com o discursivo, com a racionalidade cartesiana. Seriam, digamos, os nossos interlocutores literários, as nossas referências, para que praticássemos essa ruptura. Então são essas as influências que ressoam no meu primeiro livro.
Agora, na literatura brasileira também gostávamos de uma vertente meio marginal à época, o nosso autor predileto era Jorge de Lima, o de Invenção de Orfeu, por causa da ambição cósmica, da grandiosidade, e o de Mira Celi, catolicismo à parte, por causa da imagética, da beleza e ousadia das imagens, da alta qualidade e quantidade de invenção poética. IdemMurilo Mendes, também catolicismo à parte, evidentemente. A gente lia muito Fernando Pessoa, mas era o Fernando Pessoa de ruptura, do Álvaro de Campos. Pelo Fernando Pessoa de Alberto Caeiro, de Ricardo Reis, eu só fui me interessar mais tarde.
A “Ode a Fernando Pessoa”, que o Roberto Piva escreveu e começou a distribuir em bares em 1962, foi o primeiro dos poemas de ruptura, com o verso mais solto, com um distanciamento mais evidente em relação ao que se escrevia na época, o que seria chamado de poesia jovem da época, em que todo mundo escrevia meio parecido, era um pouquinho de pós-simbolismo, um pouquinho de poesia metafísica, uma forte influência daquele tipo de epifania rilkeana, uma poesia meio mística.
Houve um diálogo de criação entre o meu Anotações para um Apocalipse e o segundo livro do Piva, o Piazzas. São obras bem sincrônicas, embora um seja inteiramente diferente do outro. O Piva, no Piazzas, adota aquele verso todo quebrado, inconcluso, e eu, no meu livro, faço o contrário: poemas em prosa com frases com começo, meio e fim. Os dois livros foram lançados juntos, num bar na avenida São Luiz. A recepção deles, na época, assim como a do livro de estréia do Piva, Paranóia, um ano antes, foi muito ruim. A intelligentzia da época não tomou conhecimento, embora muita gente anos mais tarde viesse a reconhecer a importância deles, que eram livros de qualidade, que houve erros de julgamento. Mas, para aquele momento, no Brasil, eram livros estranhos demais. Eles quase que só foram resenhados, embora sem maiores repercussões, na França. Em 1963, o Sergio Lima voltou de uma temporada na França, onde participou efetivamente do movimento Surrealista. Do tipo se reunir com André Breton, essas coisas. Era um surrealista engajado. E então ele fez uma ponte com a La Brèche, a revista do grupo surrealista naquele momento, que acabou fazendo pequenas resenhas dos dois livros do Piva, do meu e do Amore, do próprio Sergio Lima. Mas por aqui não saiu nada. Nada, nada, nada. Foi um pouco miopia do pessoal. Mas o ambiente cultural se move por fluxos e refluxos, por movimentos de expansão e contração, e acredito que no começo da década de 1960 estávamos num momento de contração. Se eu pego, por exemplo, o portfolio do Jardins da provocação, que eu lancei no começo da década de 1980, é imenso, muito por conseqüência do momento que estávamos vivendo, de abertura, empolgação. Hoje em dia jornal nenhum dá tanto espaço para lançamento de livros de poesia.
O que causou estranheza – no meu caso, no dos outros não posso falar – foi o seguinte: a poesia brasileira, se formos comparar por exemplo com a poesia francesa – e era por isso que nosso grupo simpatizava tanto com a tradição francesa de poesia –, é bastante bem comportada e cerebral. Salvo exceções, o pessoal escreve com a cabeça. O caso limite é João Cabral, a idéia de poesia como algo mentalmente construído onde a emoção não tem lugar. O absurdo dele dizer que “a emoção não cria”. Só para você ver o tamanho do absurdo, um autor como o Jorge Luiz Borges, que é tipicamente cerebral, diz que é impossível escrever sem emoção. No caso brasileiro, eu usei de exemplo o João Cabral porque ele tem dado mais ênfase para isso, mas existe uma distorção geral para o cerebralismo. Então, uma escrita do inconsciente, e era isso o que estava fazendo no começo dos anos 1960, só poderia ser recebida com estranheza. Tanto a crítica quanto o ambiente literário não tinham condições naquele momento para decodificar, traduzir aquilo. Para eles não havia sentido, parecia que eu estava emitindo sons desconexos. De um lado, essa incapacidade de decodificação se amenizou muito, tanto que quando eu fiz a tradução de Lautréamont no começo dos anos 1970, ela já foi efusivamente recebida. Tivemos depois um aumento de interesse, algumas discussões sobre surrealismo. Mas isso foi não foi imediato, foi um processo de certas idéias circularem mais e penetrarem melhor no nosso ambiente intelectual. E o ambiente intelectual, naquele começo dos anos 1960, era impermeável a essas idéias.
Por outro lado, o que eu escrevia também mudou. Onde eu sou um dublê de poeta e ensaísta – quer dizer, posso mexer com idéias, e posso mexer com imagens –, no Jardins da provocação esses dois pólos se aproximaram muito mais. No Anotações para um Apocalipse eu era incapaz de utilizar um tema, por exemplo. O Dias circulares, que é o livro intermediário, é na verdade uma junção de alguns poemas em prosa, que se eu tivesse esperado um pouco mais teriam saído no Anotações, e alguns poemas que eram uma espécie de tentativa de recuperação da linguagem poética, ainda muito fragmentários, e que se resolveriam realmente nos poemas do Jardins.
Houve outras mudanças na minha poesia. Em “Viagens 5 – quase um manifesto”, texto presente no Jardins da provocação, eu digo que houve uma mudança no modo do poema se distribuir no papel e que essa mudança era fruto da experiência com leituras públicas de poesia, de que participei ativamente durante os anos 1970. Atualmente, eu revejo esta posição. Participei há pouco tempo de outras leituras públicas de poesia, nas quais li aqueles poemas em prosa do Dias circulares. Não tem o mesmo efeito. Quer dizer, os poemas do Jardins da provocação possuem uma eloqüência que os torna tiros certeiros, uma ficha certa de repercutirem bem em leituras públicas. Mas eles possuem um ritmo que já estava presente naqueles poemas em prosa, eu é que não havia percebido. O que ocorreu é que se antes eu só conseguia fazer poesia em prosa, com o tempo comecei a conseguir trabalhar com outras formas poéticas. No Jardins, já convivem poemas com versos curtos, desiguais, não uma metrificação equilibrada, mas frases curtas – talvez seja este o termo correto –, além de poemas com versos longos e poemas deliberadamente em prosa. Eu tenho, pós-Jardins, esses três tipos de poesia, e pretendo juntá-los no meu próximo livro.
Voltando aos anos 1960, eu e o Décio Bar ainda traduzimos alguns poemas do Allen Ginsberg, que serviram como base para algumas traduções que estão na antologia que fiz dele para a L&PM em 1984. Nós traduzimos os poemas para fazer uma leitura de poesia beat no Teatro da Rua, que era do Emílio Fontana, e ficava na rua Augusta, nas proximidades da rua Tietê. Isso foi em 1967, e as peças que estavam em cartaz no teatro eram Zoo story, do Edward Albee, e Navalha na carne, do Plínio Marcos. Na primeira exibição de Zoo story que o Emílio Fontana tinha feito, em 1965 no Teatro Oficina, com o Raul Cortez fazendo o papel de marginal, ele precedeu a peça com uma leitura de poemas da geração beat. Quem fez as traduções foi o Mario Chamie. Nós odiamos a priori a tradução. E armamos o maior escândalo. Na época, nós criticávamos muito todas as modalidades de formalismo, o que era evidente, o que fazíamos era antagônico àquilo tudo, e havia sido o formalismo de um lado, o academicismo de outro, que haviam causado um ensurdecimento em relação ao nosso trabalho. Então, o Ignácio de Loyola Brandão abriu um espaço para que respondêssemos contra aquela versão da poesia beat, e a coisa ficou meio no ar. E, em 1967, quando o Fontana ativou o teatro dele, convidou a gente para fazer algo sobre a geração beat. Nós então traduzimos o “América”, do Allen Ginsberg, e alguns poemas do Gregory Corso e do Lawrence Ferlinghetti. Kerouac e Burroughs nós deixamos de lado. Poderíamos ter posto, mesmo sendo prosa e não poesia. Funciona, embora traduzir Kerouac seja muito difícil. A prosódia, a sonoridade da língua inglesa, torna a tradução para nossa língua mais difícil em Kerouac do que no Ginsberg. Pegamos um amigo meu, o Norberto, que havia morado nos Estados Unidos em condições contraculturais, para nos ajudar nas gírias e fizemos as traduções. Essa leitura abriu um espaço para a divulgação da poesia beat no Brasil, que só aconteceria com impacto nos anos 1980.
De 1968 em diante não aconteceu nada, por ter sido uma espécie de terror policial. Mas no começo dos anos 1970 começou a acontecer coisas no Rio de Janeiro, movimentos de poetas independentes. Apareceram grupos como o Nuvem Cigana, com o Chacal, o Charles, o Bernardo Vilhena, e os livros de mimeógrafo. Então, em 1976, o Massao Ohno resolveu voltar a editar e me chamou para bolarmos algum tipo de lançamento coletivo. Algo que tivesse alguma conotação, alguma vinculação com aquilo que estava acontecendo no Rio de Janeiro. Então convidamos a Heloísa Buarque de Hollanda, que havia editado uma antologia da poe-sia da época, 26 poetas hoje, o Chacal e a turma dele, e conseguimos o Teatro Municipal durante três dias. E a coisa foi crescendo: grupos musicais se juntaram a nós, houve uma megaexposição de artes plásticas, organizada pelo Augusto Peixoto, que infelizmente já morreu. Virou um movimento multimídia. Foi muito intenso, em três dias juntou quinze mil pessoas. Ou seja, quando no Rio de Janeiro houve um processo gradual de retomada da poesia – exposição de poesia mural, leituras, publicações independentes –, São Paulo acabou voltando à atividade literária de uma forma explosiva, com a Feira de Poesia e Arte, que acabou influindo no ambiente literário de São Paulo diretamente. Agora, não foi uma manifestação de poesia marginal, o Massao Ohno estava publicando todo mundo. E havia uma forte preocupação política, tanto que a leitura mais aplaudida foi a da Renata Pallottini, que leu uma série de poemas de denúncia explícita do regime militar e da repressão.
A partir da Feira, foram ocorrendo outras leituras públicas de poesia, algumas com sentido de denúncia política mesmo, como uma que o Jorge Cunha Lima organizou na Brasiliense, e outra que eu organizei com a Ruth Escobar, em homenagem ao Federico Garcia Lorca. Teve também uma leitura na Livraria Garcia Lorca, que foi filmada em super-8, um filme lindo. Esta foi mais espontânea. De repente deu na telha do Piva: “Vamos fazer uma leitura de poesias”. Daí fizemos de uma semana para outra. Chamamos o Biccelli, o Geraldinho Carneiro veio do Rio. Era voluntarismo, a gente fazia as coisas na base da amizade. Juntamos bastante gente, fizemos a leitura. Foi divertido, o clima estava muito animado e se prolongou noite afora. Quando acabou, eu sei que o Piva e mais alguns acompanhantes foram para a casa de um amigo nosso e improvisaram uma espécie de orgia. Eu fiquei no meu apartamento com uma namorada da época, e o Geraldinho Carneiro, que estava hospedado comigo, ficou no quarto ao lado com a namorada dele. E acho que todos emendamos a noite com o dia – no caso específico, continuamos transando. Disso saiu um poema do Jardins da provocação, que é sobre a leitura e o que aconteceu depois, cujo tema é a continuidade entre poesia e vida, é passar a idéia de que você está fazendo, no momento seguinte, aquilo que está dito nos poemas que você leu. E que por sua vez se transforma em poema.
Sobre os novos caminhos, acredito que nos resta a rebelião romântica. E a rebelião possível é a transformação da linguagem. O socialismo, acredito, não será uma possibilidade por muito tempo. Assim como a contracultura encerrou um ciclo. Ela teve sua importância como quebra de valores e costumes, mas 1968 foi seu auge e o seu fim. Na década de 1970 ainda havia ecos, mas não era mais um movimento. E o que veio depois – punk, gótico, etc. – são tribos urbanas, importantes talvez como forma de conquistar uma identidade cultural, mas não um movimento permeável e coletivo. Acredito que as metrópoles são inevitáveis, o que precisamos é aprender a trabalhá-las de modo poético, criar uma relação poética com elas. Deve-se transformar a linguagem, e nesse sentido acho interessante o avanço tecnológico. Nesse sentido, Timothy Leary está seguindo o caminho certo, de instaurar a rebelião dentro deste espaço novo que é a informática. É necessário encontrar uma nova linguagem que seja independente e que não advenha das drogas, como foi o psicodelismo. Acredito que essa linguagem pode vir de uma absorção da loucura e da poesia em nossas vidas, de uma forma livre. E a informática é uma forma, entre outras, de se fazer isso. O desenvolvimento tecnológico possui dois lados. Um democratizante e outro, que acredito mais fraco, massificador. Mas a resposta de Burroughs para a massificação é a fragmentação da linguagem. E é preciso aprender a lidar com a informática como Buñuel lidava com cinema. O grande mérito de Buñuel foi ter realizado filmes só com a linguagem poética, sem estrutura narrativa. Acredito que a rebelião romântica seja a única forma de rebelião possível.
2º Depoimento – março de 1999
Processso de criação
“Ruínas romanas”, um dos poemas de meu próximo livro, Estranhas experiên-cias: eu estive lá. Terminei a caminhada Capitólio-Senado Romano-Coliseu com o poema se formando na minha cabeça. Os poemas intitulados “Anotações de viagem” de Estranhas experiências foram escritos assim. O lago do primeiro poe-ma de “Anotações de viagem”, nadei nele, fui tomando notas ao sair da água. O poema seguinte, da mesma série, na Praia Mole, Florianópolis, atrás da Lagoa da Conceição, lugar empolgante, em 1981 ninguém ia lá. “Viagens 3”, de Jardins da provocação, escrevi no avião para São Paulo, tresnoitado, sobre a noite anterior em Brasília. “Viagens 5”, a cena do quarto com a luz filtrada pela persiana: meu quarto. O longo poema erótico do final de Jardins da provocação, “É assim que deve ser feito”, com uma reiteração, nossos corpos isso, nossos corpos aquilo, traduzindo o gozo, o prazer ainda presente, as sensações da noite anterior fluindo pelo corpo, nas imagens em frases longas.
Poemas da hora ou do dia seguinte. Então, não se trata apenas de relação entre sujeito e mundo, mas entre poesia e vida, e da palavra com o corpo. O mesmo entusiasmo pode ser suscitado por um texto. “Homenagem a Dashiell Hammett”, do Jardins da provocação: eu havia lido, de uma enfiada só, os contos do Continental Op, até tarde. No dia seguinte acordei e já fui escrevendo, enquanto tomava o café.
Nem tudo é assim, no ato. Às vezes, mediado pela memória. Um encontro, um sonho, despertam sensações e emoções que se transformam em imagens, frases. Ou uma combinação do aqui e agora e do antes, um catalisando o outro. O poema em prosa “Chegar lá” é, de certa forma, metalinguagem, descreve como sobrevem a evocação.
Citei poemas dos quais sei referências exteriores ao texto: estive lá aquela noite, chovia em Roma, estava em casa com aquela mulher… Outros, não sei o que pretendia dizer com aquilo. Às vezes, redescubro poemas. “Chegar lá” – quem me chamou a atenção para esse poema em prosa foram vocês, da Azougue, ao me pedirem que o lesse em voz alta (em uma sessão de leitura de poesias da Biblioteca Mário de Andrade, em 1996). Antes, não havia reparado. Há um filme, Inventário da rapina, de Aloísio Raulino, um média-metragem com cenas da cidade e poemas meus, no qual ele colocou um poema do Jardins da provocação ao qual nunca havia dado importância. “O dia seguinte” (começa assim: “Ajuda-me a desembrulhar esta cidade/ e seus pacotes de percepção”). Quando vi o poema na tela, pensei – “Que bonito! Como é que escrevi isso e não reparei?”
Minha poesia valoriza as imagens. Imagens visuais. Mas a prosódia, ritmo, musicalidade, têm que estar presente. Mostro isso ao ler em voz alta. Fiquei mais sensível à prosódia ao traduzir Ginsberg, autor no qual essa dimensão é fundamental. Isso me ajudou a perceber, também, o ritmo e a sonoridade de poemas anteriores, aqueles dos anos 1960.
Poesia e prosa
Categorias como prosa e poesia são relativas. Octavio Paz (entre outros) lembra que a poesia precede a prosa, que a prosa é historicamente recente. Curtius mostra que os antigos, até a Idade Média, desconheciam a diferença entre poesia e prosa. Era tudo o “falar eloqüente”, o discurso literário, que obedecia a regras e cânones de uma retórica e uma poética. Não sei se passei de uma coisa para a outra, ou se não é tudo a mesma coisa.
Comecei com os poemas em prosa do Anotações para um Apocalipse e Dias circulares, década de 1960, quase escrita automática, associação livre, o Daimon encostando e soprando coisas em meu ouvido. Anos 1970, uma fragmentação, poemas não mais apenas em prosa, mas uma espécie de versificação, de disposição gráfica das frases na página, e o aparecimento do tema, poema sobre Dashiell Hammett, sobre Garcia Lorca, sobre a noite anterior, etc. Narrativa em prosa, como em Volta, publicada em 1996, foi a etapa seguinte. Mas esse não é um percurso linear, de uma coisa para outra. Faço de tudo ao mesmo tempo. Contemporâneos da preparação de Volta, há poemas em prosa e poemas que não são em prosa. Alguma coisa do Estranhas experiências coincide com ter escrito Volta, e é diferente.
Mas Volta é prosa em termos, fora do esquadro. Um dos comentaristas de Volta – Humberto Mariotti, em um artigo na revista Toth – observou isso, ao intitular seu artigo de “Prosa de poeta” e mostrar que a estrutura do livro, não linear, movendo-se em várias direções, passando de um assunto para outro – coisas que aconteceram comigo, as cidades, magia, surrealismo –, é mais própria do poema que da narrativa em prosa. Álvaro Alves de Faria e Deonísio da Silva, em artigos, também viram a confluência prosa-poesia.
É possível que essa característica de Volta, ser uma coisa e outra, tenha determinado dificuldades na recepção. Complicou a classificação e catalogação. Em alguns lugares (todo noticiário do lançamento) figurou como ensaio. Em outros, como memórias (memórias… esperem a hora em que for escrever memórias…). Ensaio, Volta com certeza não é – ensaio é o prefácio que fiz para a Obra completa de Lautréamont, ensaio não-acadêmico (se fosse obedecer aos requisitos de uma tese, daria 150 páginas…), mas com referências bibliográficas, citações, no lugar em que têm que estar.
Volta, assim como o restante do que escrevi, e talvez toda criação literária, foi um acerto de contas comigo mesmo. Um desafio a ser enfrentado. Testou meu fôlego. Sou mais de escrever textos curtos, poemas e ensaios.
Crítica literária
Outro dia, numa palestra de Gerd Bornheim sobre Brecht, ele trabalhou com as categorias arte do objeto e arte do sujeito. Bertold Brecht como representante da arte do objeto. Aceitas essas categorias, perfilo-me do lado da arte do sujeito, de Baudelaire, Rimbaud, Lautréamont, Artaud, Lorca, os surrealistas, beats, etc. Representantes da rebelião romântica. Baudelaire, ao questionar o realismo e fazer o elogio da imaginação, foi o pilar, o fundamento dessa visão.
A crítica e os estudiosos de literatura brasileiros são enviesados para o lado da arte do objeto. Cerebrais, formalistas. Isso tem um correlato, que é uma poesia contemporânea brasileira excessivamente contida, bem-comportada. Uma ou duas gerações de poetas assimilaram um modo de escrever à la João Cabral na fase final, que acabou por tornar-se o corifeu da poesia escrita a frio, da supressão da emoção. Absorveram a versificação quadrada, geométrica, simétrica. Metáfora e analogia são substituídas por paráfrase, algo que pertence à lógica simbólica e não à poesia. Outro dia, ao preparar uma palestra sobre a poesia e o mar, vi isso em dois poemas de Cabral, sobre o canavial e o mar, e sobre o mar e canavial. São séries de paráfrases e definições negativas, do que o mar não é, do que o canavial não é, um confrontado ao outro. Isso se faz em análise lógica, na formalização dos enunciados científicos. Poesia é o contrário de uma coisa dessas.
Acho um escândalo a pouca atenção da crítica e a pouca quantidade de estudos sobre poetas como Piva, Afonso Henriques, Rodrigo de Haro, entre outros. Piva é autor de uma poesia de grande riqueza simbólica, original, e, além disso, todo mundo o conhece – ao dizer “todo mundo”, refiro-me à Itabira encravada na metrópole, à província que constitui nosso mundo cultural – e faltam inserções em antologias e estudos críticos sobre ele. Sintoma da burocratização dos estudos literários. Sobre Baudelaire, sobre Lautréamont, sobre Murilo Mendes e Jorge de Lima, escrevem, protegidos pelas décadas de distância do autor.
A situação, aqui, se assemelha ao ambiente intelectual americano denunciado por Allen Ginsberg nos anos 1940/50, dominado pelo formalismo, que via a beat como subliteratura, fenômeno comportamental. Essa opinião permanece. A resenha do Collected poems de Ginsberg, da edição Harper & Row de 1986, no NY Times, foi nessa linha. Mas lá, levou apenas alguns anos até os beats repercutirem. Aqui não. Aqui, são décadas, dá a impressão de que, desde 1960, está tudo igual, mesmo com a contracultura e outros acontecimentos revolucionários de permeio. No manifesto do final do meu livro de 1964, Anotações para um Apocalipse, meus impropérios contra o establishment literário são atuais, tudo continua do mesmo jeito.
Surrealismo
Vejo o Surrealismo como um enorme e maravilhoso conjunto de realizações artísticas – na poesia, na prosa, artes visuais, inclusive objetos, colagens e fotografia, cinema, mais isso que depois veio a ser chamado de happening e performance – e, principalmente, como movimento de idéias. Uma grande reflexão sobre a relação entre poesia e sociedade, arte e política, criação e vida. Onde Baudelaire havia sustentado a separação das esferas do verdadeiro, do ético e do estético, em sua crítica ao Victor Hugo de Os miseráveis, argumentando que as questões da verdade interessavam à ciência, e que moral e arte nada tinham a ver uma com a outra, Breton e seus companheiros tentaram juntá-las ou reaproximá-las. Apresentaram uma nova utopia.
Assim, a dimensão filosófica é inseparável à produção artística do surrealismo. Não existe forma surrealista. Uma exterioridade surrealista, dissociada de suas idéias, não é surrealismo. Produções instrumentais em vídeoclipe, peças de publicidade, arranjos de vitrina, desfiles de moda, design, capas de CDs, decoração, o que for, não são surrealismos. A atenção a uma “estética” surrealista pode fazer passar desapercebido aquilo que for realmente provocante e subversivo. Por outro lado, isso que a gente vê, hoje, pode representar um aspecto da permanência do Surrealismo. Ao menos, da crítica ao realismo, à idéia da arte como mimese (nisso dando seqüência a Baudelaire), valorizando a liberdade de criação.
Atualidade das idéias surrealistas? Quando perder atualidade a idéia da contradição entre poesia e sociedade, da criação como subversão, o mundo pára.
Há polêmica à vista. Ainda mais com a publicação, programada para logo, das entrevista de André Breton. Em resenhas sobre um livro de entrevistas com poetas latino-americanos de Floriano Martins, Escritura conquistada, foi questionado o interesse do surrealismo para a literatura brasileira. O próprio Floriano, mais alguns de seus entrevistados, foram chamados de tardosurrealistas. Comecei a imaginar, quando li isso, os possíveis prefixos do surrealismo. Tardígrados tardo-surrealistas. Esquivos para-surrealistas. Sombrios cripto-surrealistas (incluindo o autor da série Contos da cripta), lúgubres sub-surrealistas, adejantes supra-surrealistas, mega-surrealistas freqüentadores de megastores, consternados pós-surrealistas tão tristonhos quanto pós-modernos. Anti-surrealistas engolindo em seco depois de adotarem e lerem direito Octavio Paz. Animados neo-surrealistas, um bando deles subindo e descendo às carreiras, fazendo bastante confusão, as escadarias do seu prédio, Sergio Cohn, naquela festa de aniversário do Piva. E eu? Quem sou? Qualquer hora, jogam um grosso volume de taxonomia literária na minha cabeça, represália a esta entrevista e ao Estranhas experiências.
Há um acervo de besteiras sobre surrealismo. Duas vezes, nos últimos anos, li em artigos da Folha de São Paulo – um de Milan Kundera, outro de Décio Pignatari (como esse está cada vez mais idiossincrático!) – a afirmação de que o surrealismo não produziu literatura importante. Não, não produziu nada… exceto toda a poesia de língua francesa da primeira metade do século. E não só Breton, Péret, Éluard. Há uma configuração surrealista, que inclui até mesmo Queneau e Ponge, depois de participarem do movimento, fazerem questão de criar algo diferente, bem como Char ficar pouquíssimo, mas dizer que aqueles foram os anos mais importantes de sua vida, e Michaux ter que dar-se ao trabalho de explicar por que não era. Idem, na segunda metade do século, com Octavio Paz, Aimé Césaire, Mário Cesariny, não importa quanto tempo cada um deles participou ativamente do grupo surrealista. Assim como não importa se alguns desses poetas são duas décadas e meia mais velhos do que eu – em termos de tempo da História, isso não é nada.
Nesses e em inúmeros outros casos, o surrealismo é referência. Há uma constelação da rebelião, na qual o surrealismo tem lugar central, brilho mais forte, e que, contudo, é mais extensa do que o surrealismo achava que fosse (para mim, inclui a beat, onde a rebelião se realiza). E há mais coisas ainda. Grandes autores com relações ambivalentes. Cortázar, em seu livro de entrevistas, argumentar que fazia algo menos simbólico, mais real do que surrealismo, para mim é um modo de dizer que, mesmo incorporando o hábito de guiar-se por signos ao acaso da cidade, ia além das paráfrases bretonianas no Jogo da amarelinha. O surrealismo como divisor de águas, referência, inclui as caras feias dos estruturalistas, que nossos scholars adotaram. Gerard Legrand, nos anos 1960, ironizou os colóquios de Cérisy-la-Salle como frescura, perfumaria de intelectuais. O Brasil universitário adotou Tel Quel e afins, e por tabela seus contra-ataques a La Bréche.
Não tenho um medidor de radiação que dê graus de contaminação surrealista de poetas contemporâneos brasileiros. Nem sei se é o mais importante, embora, com certeza, esse hipotético medidor fosse crepitar perto do Sérgio Lima. Interessa a escrita com imagens e a poesia em prosa, gênero, a meu ver, subversivo, por, sendo uma coisa, ser outra. Floriano Martins de Tumultúmulos e outras obras, sem dúvida. Sérgio Lima, cf. acima. Idem, ibidem, Piva, Afonso Henriques. Os poemas em prosa do Weydson Barros Leal. Muito mais gente. Poetas imagético-hermético-simbólicos, a começar por Rodrigo de Haro.
Boom de poesia
Não há boom poético. Entendendo boom como sinônimo de proliferação, o último foi o dos poetas marginais dos anos 70. O que está sendo publicado e divulgado, via novas editoras (Nankin, 7 Letras) e novos periódicos, é o mínimo. Parece muito porque, até há pouco, não havia nada.
Para acontecerem leituras de poesia, basta alguém disposto a trabalhar, se possível de modo competente.
Faço parte de uma geração poética – a dos anos 1960 – que definiu sua identidade negativamente em relação à poesia concreta e outros empreendimentos formalistas, precedentes ou contemporâneos. O que Antonio Fernando de Franceschi escreveu em seu depoimento à antologia de Augusto Massi, e o que eu publiquei na Revista da Biblioteca Mário de Andrade, sobre poetas dos anos 1960, vale para todos os autores daquele período (coleção Novíssimos de Massao Ohno, etc). No caso do nosso grupo (Piva, de Franceschi, Décio Bar, Sérgio Lima e Rodrigo de Haro, alternadamente, um por vez, Maninha, logo em seguida Bicelli, Raul Fiker), mais radical, mais antiburguês, negativamente também com relação à geração de 45 e às expressões poéticas do nacional-populismo, tipo Violão de rua. Para nós, ou eram cerebrais e faziam poesia burocrática, dissociada da vida, ou eram beletristas acadêmicos, ou tudo isso junto. Afirmando nossa identidade, afirmamos a diferença com relação ao mundo literário e, por extensão, à sociedade. Traduzimos isso comportamentalmente, com provocações e boemia desenfreada (li, há pouco, a biografia de Ginsberg por Barry Miles – nesse livro, e nas biografias de Kerouac, quando falam daquele período dos anos 1940/1950… – e quando leio em voz alta o “Uivo” aquelas histórias e alusões – como eu sei muitíssimo bem do que estão falando! – há um depoimento meu para o Piva, na série Meditações de emergência da Funarte, a ser publicada, cujas entrelinhas são sugestivas).
Havia, reconheço, algo de província nisso de você cruzar a toda hora com alguém de outra turma, dar de cara com Bell, Chamie ou Paulo Bonfim na esquina da Consolação com a São Luís, ou estar no bar do lado, ou a duas mesas de distância no mesmo Paribar ou Ferro’s Bar. Mas toda vida literária, inclusive Nova York ou Paris, é meio província. E aquela agitação era sintoma de vitalidade. Dos anos 1980 para cá, não vejo nada com esse caráter coletivo e orgânico. Há poetas. Mas o panorama oferecido por uma antologia importante, como Artes e ofícios da poesia, do Augusto Massi, é uma soma de individualidades. Outra antologia recente, essa que saiu nos Estados Unidos e provocou polêmica (Nothing that the sun could not explain, organizada por Nelson Ascher e Regis Bonvicino) retrata um segmento em relação de continuidade com a poesia concreta (sem dúvida, atestando sua permanência, mostrando como resistiu ao confronto com a poesia marginal e outras correntes antagônicas). Portanto, dos marginais para cá, quase nada de novo em matéria de movimentos e propostas coletivas, embora tenham aparecido bons autores.
Estou comentando isso para chegar à distinção entre duas coisas. Uma: leituras e outras manifestações como expressão de um movimento. Outra: sessões de leitura de poesia que são, ou deviam ser, coisa normal na agenda de São Paulo, do Rio, de qualquer metrópole. Aí, repito, basta alguém saber organizá-las.
Participei de leituras nos anos 1960. Voltei a participar, e a organizá-las, nos anos 1970 (Feira de Poesia e Arte, inclusive). Com verbas e apoio da Secretaria Municipal de Cultura, nos anos 1990. Havia parado, pois promover esse tipo de coisa é desgastante. As leituras dos anos 1960 foram expressões de movimentos e propostas (o grupo do Bell, o Álvaro Alves de Faria, o nosso, depois a série de leituras promovidas por Renata Pallottini, Neide Archanjo e Ilka Laurito, etc.). As dos anos 1970, da resistência política, pluralistas, reunindo quem era contra os militares (bastante gente). A interrupção da sua regularidade entre 1985 e 1995 foi, de um lado, resultado da falta de propostas – de outro, um problema de política cultural e administração cultural.
Novos projetos
Na Azougue 1, ou zero, ou 0,75, para o qual dei um depoimento, havia comentado que ia organizar leituras de poesia. Quando saiu aquela Azougue, já estava organizando. Agora, penso mais para frente, no que pode ser feito além das sessões de leituras de poesia e depoimentos de poetas.
Tenho alguns projetos. Um, de poetas falando sobre prosa e fazendo leituras de prosa, e prosadores lendo poesia e falando de poesia (a idéia é do Augusto Contador Borges). A intenção é evidente, depois do que disse acima sobre poesia-prosa.
Outro projeto, que espero começar logo, é um ciclo de palestras e leituras de textos sobre malditos, rebeldes e marginais, desde William Blake e o Marquês de Sade até Ginsberg e Artaud. A intenção é valorizar a rebelião como força motriz da criação e da própria história, e enfrentar a onda que vem aí de bom-comporta-mentismo, hipocrisia, neo-moralismo “politicamente correto”, censura querendo entrar pela porta dos fundos.
Além disso, quero, eu mesmo, dar oficinas de leitura de poesia. Leitura como expressão oral e como interpretação do texto, interligadas. Chamou-me a atenção, nesses ciclos que organizei, haver poetas que sabiam dizer seus poemas, e outros que apresentavam um resultado oral aquém do que estava escrito. Portanto, presos à página. Cordas vocais, boca, brônquios, etc., fazem parte do corpo humano. Acho que o trabalho com o som também é aproximação entre signo e corpo, e pode resultar em um ganho de concretude da criação. Não pretendo fazer oficinas de poesia beat, mas me parece que a valorização da oralidade e da prosódia, notadamente em Ginsberg e Kerouac, teve relação direta com a dimensão do concreto, a saída do ar rarefeito onde pairava a poesia que os circundava.
Quanto a publicações minhas, são dois livros em vista. Um deles, o livro de poesias, Estranhas experiências, com poemas inéditos e alguns de Jardins da provocação e Dias circulares. O outro, um livro de ensaios. Título, O escritor como personagem – textos sobre literatura e vida. É sobre biografias de escritores, retomando artigos que publiquei e conferências já dadas sobre Lautréamont, Jarry, Artaud, Kerouac, Lorca e Dashiell Hammett. Seu fio condutor: a idéia do escritor como personagem de si mesmo, da literatura produzindo vida, numa relação contrária àquela que o realismo enxerga (da arte retratando a vida), e herética com relação ao formalismo (que recorta o texto de seu contexto e exclui o biográfico).
De outro modo, isso foi tema de Volta: os momentos mágicos em que o texto se antecipa aos acontecimentos e parece produzi-los.
No meu prefácio a Lautréamont. Também insisto em que havia um sujeito, alguém de carne e osso escrevendo aquilo. Quero ir mais longe. Há um período, uma fase da História da Literatura que pretendo pegar a fundo. O grupo de poetas e intelectuais associados ao simbolismo e decadentismo, ligados à revista Mercure de France, e os por ela valorizados ou publicados. Daí, desse ambiente cultural, surgiram ou receberam influência, direta ou indireta, idéias, movimentos e personagens que constituíram modernismos e vanguardas: Cubismo, Futurismo, Construtivismo,Imagismo poundiano, Dadá, Surrealismo, as revoltas e revoluções culturais que pautaram o século XX. Tomando o Simbolismo e o Pós-Simbolismo francês em sua formação mais ampla, a escalação completa, vê-se a plêiade de excêntricos, visionários, loucos: Rimbaud, Verlaine, Mallarmé, Corbiére, Laforgue, Huysmans, Germain Nouveau, Lautréamont, Fargue, Jarry (… nunca ninguém confundiu tanto autor, personagem e obra como Jarry, ao encarnar Ubu Rei daquele jeito: protagonizou na vida real um texto que nem era seu, porém adaptação de uma gozação escolar, escrita por colegas de Liceu!)
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Aqui, neste depoimento, comecei com observações sobre a relação poesia-vida na criação dos meus poemas. Termino mostrando mais alguns modos dessa relação, seja em projetos de ação cultural ou em textos que estou preparando. Pode ser que meu interesse não esteja propriamente voltado para a literatura, mas para outra coisa, um lugar entre a literatura e o outro, onde se processa o diálogo sobre a contradição entre palavra e vida, símbolo e realidade. Um eixo ao redor do qual tenho dado voltas.