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Entrevista: Jaider Esbell

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Em 2017, quando começamos a realizar a Tembetá – uma coleção pioneira de antologias de textos e entrevistas de pensadores indígenas – um dos primeiro nomes que vieram à tona foi o do artista visual e escritor macuxi Jaider Esbell. Figura interessantíssima, que criou uma nova incorporação do mito de Makunaima de volta para o seu povo, Jaider foi também um dos mais inovadores artistas visuais da arte contemporânea no Brasil. A entrevista foi realizada em minha casa, no Jardim Botânico, naquele mesmo ano, em parceria com a antropóloga Nina Vincent, que estava estudando a sua obra. Segue aqui um fragmento desta que deve ser uma das mais longas e completas entrevista de Jaider, com cerca de duas horas e meia de duração, e que saiu publicada integralmente no volume em sua homenagem na coleção Tembetá, em 2018. Jaider, infelizmente, faleceu precocemente em 2022, deixando uma obra de grande vigor e oriiginalidade.

Você fala muito sobre a ideia de buscar uma circulação do seu trabalho, de passar por diferentes comunidades e diferentes espaços. Como começou essa inquietação e como que ela se desenvolveu através desses anos de trabalho?


O deslocamento faz parte da minha vida, que é movida por essa curiosidade acerca do que é o novo. Uma curiosidade de mundo. E, a partir do momento em que eu me vejo com a possibilidade real de proporcionar uma experiência nova, diferenciada para outras pessoas, que estejam conectadas mais ou menos com a mesma energia, eu decido ir em direção a elas. O que pressupõe a iniciativa de fazer as itinerâncias. Então, o meu deslocamento no território nacional e até fora do país se intensifica a partir de 2013, quando eu sou convidado pra fazer uma vivência nos Estados Unidos, na Universidade de Pitzer College. Foi uma experiência de docência compartilhada com a professora Lêda Martins. Nós íamos ensinar um curso, que envolvia arte e antropologia na Amazônia, e aí ela me convidou e me deu a liberdade de escolher o título do nosso curso. Eu propus, que fizéssemos “Run to the forest”, “Corrida para a floresta”, que é uma análise sobre esse novo deslocamento, que são pessoas indo para a floresta. Quando eu fui para os Estados Unidos, eu fiz uma exposição que envolvia “A vaca nas terras de Makunaíma: De malditas a desejadas”, que trata sobre a chegada de um animal que virou muito presente no meu estado. Eu fiz esse grande deslocamento e fiquei por oito meses nos Estados Unidos. E lá me veio essa descoberta de que eu sinto uma alegria muito grande, um conforto em estar em deslocamento.
Então, quando eu retorno ao Brasil, eu já não volto mais ao meu trabalho na empresa. Eu fico vivendo exclusivamente da minha arte. Isso me obriga a muitas viagens para atender a chamados de comunidades da região amazônica e de outros estados brasileiros. E também começa uma agenda para o exterior, com participação em projetos de cinema. Assim, em 2016, eu decido de fato cortar o cordão umbilical com a empresa, pedir demissão, e aí fico com a ideia de uma liberdade que precisa ser urgentemente preenchida com uma atividade, para dar um grande passo num outro momento da vida. Sair da empresa, estar livre, não significava de fato estar de férias, ou então viver uma vida aleatória sem compromisso ou sem maiores responsabilidades.
Eu tinha concluído a exposição “Era uma vez na Amazônia”, “It Was Amazon”, um estudo com a descoberta recente que eu fiz do papel Canson preto e da canetinha posca, que fez bastante diferença na minha produção. Eu fiz essa primeira coleção em preto e branco, sobre a Amazônia. Eu expus em Boa Vista e senti o quão impactante ela era, o quão necessária. Eu acreditava que ela merecia ser levada de forma contextualizada para outros ambientes no Brasil. Eu começo, através da Internet, a fazer outra parte de atuação do meu trabalho, que é essa formação e atuação em rede. Escrevo um breve norte para um conjunto de ações, que eu chamo de “Itinerâncias”. Não é exatamente um projeto, mas é um norte para uma andança, para começar a abrir horizontes para vários diálogos contextuais. Através dessa proposta, eu começo a conseguir ambientes físicos para expor. Geralmente em ambientes alternativos, com uma formação de plateia mínima interessada no tema. A abordagem é sempre de oferecer a possibilidade de um convívio, nunca de forma impositiva ou apelativa. É sempre uma interação. E isso tem dado muita resposta.
Eu começo a itinerância a partir do Maranhão, em 2016. A primeira temporada leva seis meses. E a partir daí sigo com a exposição para outros lugares, sempre com o mesmo modelo: as obras, as falas conceituais e as vivências. Eu começo a viver um novo momento da minha carreira propriamente de artista, com minha vida inteiramente dedicada aos afazeres e às atividades em torno da arte. Viro um artista autônomo com um propósito e um compromisso muito claros. A arte-ativismo começa a se desenhar mais nitidamente na minha produção, discutindo seriamente parar de devastar a floresta amazônica como uma abertura de argumentos maiores para todas as minorias aqui da região. E também com o argumento global da importância da floresta para o planeta.
A partir daí, eu tento focar o meu trabalho mais nessa atuação conjuntural da perspectiva ambientalista focada na Amazônia. E a partir disso também distribuir o trabalho artístico e conjuntural para o povo e para as comunidades amazônicas. Sempre tendo alguns parâmetros para balizar essa relação da interculturalidade de uma forma mais expandida. É o desafio maior de como interpretar a cultura como algo construtivo e não exatamente como algo dominador e opressor, como tem sido praticado por muita gente.
Como a arte pode trazer novas interpretações para a própria ideia de cultura? Como a arte pode influenciar decisivamente para uma ideia de nos tornarmos mais civilizados? São questões transversais, universais, globais, mas que batem à nossa porta quando nos vemos de frente com as questões indígenas. Como o próprio infanticídio, que é muito latente ainda, ou nas culturas africanas as mutilações das meninas. E agora volta de novo, fortemente, a escravidão pura e simples, com acorrentamento de pessoas como se fossem animais. Volta toda essa ideia de um tempo que se pensou já ter se extinguido. E percebe-se que dentro da floresta amazônica, por exemplo, tem nativos que ainda vivem, não isolados necessariamente, mas contactados pelo reflexo mais nefasto, mais triste da civilização, que é o medo, que é a afronta, que é aquele primeiro contato de desbravar um local, que pressupõe muita violência e extermínio.
Toda essa leitura de mundo, que a gente faz de uma ideia de humanidade extrapolada e civilizada, no fim se mostra uma selvageria, e ao mesmo tempo existe o homem primitivo vivendo na floresta. Dá pra fazer uma análise contemporânea desses dois parâmetros tão longínquos e ver que o desafio é muito grande mesmo. Conhecimento, habilidade e liderança, especialmente, são o que falta de fato entre as culturas para que se busque uma conjuntura de diálogo mais construtivo que fuja dessa ideia dos radicalismos, dos extremismos. Como as próprias religiões, especialmente as cristãs, que se enraízam muito rapidamente entre as comunidades indígenas, oferecendo mais um desafio para o pensamento original dessas culturas e a sua relação com a sua origem, que é a floresta, a natureza.


Fica claro no seu discurso que para você é muito cara a ideia de autonomia. Você está querendo fugir também dos aprisionamentos, da burocracia estatal, de intermediários comerciais e tudo mais. Como que é essa busca de autonomia?


Toda a minha ideia de autonomia me remete novamente à trajetória de minha cultura familiar, que possuía uma ideia muito presente de liberdade. Embora se soubesse que era preciso trabalhar para construir uma casa, para ganhar dinheiro, sempre havia a alternativa de que não se quisesse fazer isso, de que era possível optar por não fazer parte desse acordo. Eu não tenho essa experiência de ter sido obrigado a nada. Embora a relação com a minha mãe, especialmente no processo de educação, tivesse sido muito dura. Inclusive a violência de palmatória e de outras surras que eu levei. Mesmo isso eu não consigo considerar, meu cognitivo não processa isso como uma imposição. Ficou diluído até como uma certa forma de mostrar carinho e proteção que não chega a refletir negativamente.
Eu acredito na minha forma de ver o mundo. Sempre acreditei na liberdade. E a liberdade traz por outro lado um rigor, uma disciplina para que possa se realizar. Essa liberdade de ver que é possível, sim, sentir essa questão que é contemporânea, que é ocidental e que foi introjetada entre os índios também, que é a ideia de infância. Essa ideia de felicidade, da plenitude na infância. De optar, sim, por assumir esse talento artístico, porque eu poderia muito bem não ter dado vazão para essa ideia e ter permanecido no meu emprego federal, ganhando o meu bom salário, o meu conforto, tendo a minha casa na cidade. Abri mão de tudo isso para viver exatamente essa essência que o meu corpo, que a minha estrutura existencial pede. Para mim a autonomia é isso.
Por ter de certa forma vivido também um período não tão curto, até certo ponto longo, sendo chefiado, sendo coordenado, sendo tolhido, monitorado, como empregado público, descobri não gostar dessas sensações. E percebi que, no fundo, no fundo, a essência da educação, para uma ideia de educação libertadora de fato, nunca pode ser uma opressão nem uma imposição. Eu mesmo me senti muitas vezes na escola, e até na universidade, nessa obrigação de ter que cumprir tantas horas sentado numa cadeira, forçosamente, mesmo que sem conseguir dialogar com o professor. E creio que a partir dessa experiência estabeleci esse critério, esse rigor, de autonomia. Vejo que nas comunidades indígenas a autonomia foi tolhida há muito tempo, desde que chegou o conquistador. Junto com a igreja, que foi outro organismo, outro órgão que também deturpou totalmente a conjuntura política, a forma de se organizar das comunidades, com a nova proposta de aldeamento. A partir daí quebra-se uma tradição milenar de organização própria, de saber fazer-se em si mesmo e de estar em movimento. Aí começa a criar uma dependência de uma orientação externa para conduzir-se a si próprio.
Talvez isso explique porque hoje alguns índios sejam tão acomodados nesse sentido de dependência externa, de esperar que alguém venha oferecer algo. O que leva, numa condição mais extrema, a serem considerados “pidões”. E o aldeamento traz uma série de problemas. É preciso evitar os excessos provocados pelo aumento da densidade. Surgem questões sanitárias, questões de relações interfamiliares, essas questões sociais mais próximas. Tem toda essa leitura que precisa ser feita, para que a gente venha fortemente falar de novo nessa ideia de autonomia. Então a autonomia para mim é isso, buscar a partir da força da arte levar a nossa memória para além desse momento, dos contatos e dessa conjuntura de relação, de criação de uma dependência e perda cultural.
Se conseguirmos realizar a arte conforme as habilidades que temos, se conseguirmos passear pela memória daquele tempo pré-contato, se conseguirmos estabelecer essas relações, podemos ir um pouco além da mera visualidade e possibilitar uma outra forma de lidar com o mundo. A mera visualidade também tende a se fixar em nós, o que é um problema. Porque nós, os indígenas, viemos de uma tradição muito oral, muito visual, com menos estabelecimento de linguagens específicas. É uma tradição muito sensitiva e espiritual.
Quando a gente começa a fazer um curso de academia, por exemplo, entra num outro programa metodológico, que pressupõe uma mecanização sistemática, crua e simples, e esquece muito dessa perna do tripé que é a espiritualidade. Eu acredito que a arte deve sim mergulhar por todos os meios possíveis. Porque tem a capacidade, tem toda a liberdade de ir e se fazer em si. E toda nova tecnologia que surge vai sempre pressupondo um voltar muito atento para dentro de si próprio, para buscar de fato uma alimentação própria, uma chama interior, que é a questão da espiritualidade. E que também pressupõe um grande desafio na cena contemporânea, por se contrapor, volto a dizer, a um domínio de uma religião monoteísta e classista, que é o cristianismo.
Eu tive essa clareza muito cedo, de me preparar, experimentar várias situações, vários contextos, inclusive com viagens para outros ambientes, para outros países, até chegar a de fato perceber qual era o momento certo de me posicionar artisticamente. Eu fiz, nesse sentido, um caminho inverso do que a maioria dos outros artistas se aventura a fazer, fui me descobrir primeiro como ser humano. Então todos os grilos, todas as grandes questões existenciais da minha vida foram trabalhadas desde muito cedo. Não que sejam esgotadas ou resolvidas, mas foram muito cedo encaminhadas, para me dar essa liberdade de criação. Mesmo que eu não saiba exatamente explicar o fato. Mas eu sei é que, de certa forma, a vida tem me guiado para isso.
Eu construí toda essa trajetória inversa da ideia romântica de artista, de ter que passar fome, de fazer toda aquela peregrinação romântica clássica que a gente já conhece, até chegar a fazer sentido e a fazer ser sentido. Venho por outro caminho, e chego já apresentando um produto que vem sendo remoído desde a minha infância, que é a primeira obra, o meu livro de estreia. Esse primeiro livro ele vem de uma forma que me deu muita dignidade, que é um prêmio da bolsa Funarte, em 2010. No livro, eu pude já apresentar minha abordagem, que é sempre uma conjuntura entre o contemporâneo e o tradicional. Ele se chama “Terreiro de Makunaima: Mitos, lendas, histórias em vivências”. É formado por dez neocontos, neomitos, que vêm tentando mostrar reflexos dessa ancestralidade, dessa espiritualidade que eu trago da minha infância, no contexto contemporâneo. O que seria a ideia de um viver caboclo, esse ser misturado, descaracterizado, que de certa forma é desmoralizado também.
O livro faz uma provocação ao tocar de novo no nome de Makunaima, que é um nome até então bastante esquecido nessa sua forma original, antes da adaptação modernista. É um nome fora do circuito de academia, que é onde se constrói o pensamento literário brasileiro. E trazê-lo de volta, para além da obra de Mário de Andrade, é um convite para se reposicionar numa nova geografia. E foi uma experiência muito interessante de autonomia e autoconfiança, porque quando eu invisto pela primeira vez em um edital público e já consigo, dentro de uma seleção rigorosa, ser selecionado, isso me dá uma dignidade muito grande. A minha vida mais uma vez me priva de uma sensação de humilhação, de ter que fazer uma peregrinação muito grande para conseguir publicar um livro e ser reconhecido no meio. A iniciativa própria de tomar atitude, de decidir fazer o edital, mesmo diante do convite explícito de dois amigos para desistir, parar, por acharem que não era a hora, foi muito importante para mim. Esse brigar com a vida, com os sinais e os convites de desistência, me fazem pensar sim, cada vez mais, em autonomia. E em repassar toda essa minha trajetória para o povo, pra quem quiser me ouvir.
Eu estou sempre ressaltando: quem me convida para conversar deve escutar a história do jabuti que brigou com a onça e as outras histórias fantásticas da nossa origem. Nunca vai me ouvir falar dos grandes clássicos, dos grandes pensadores ocidentais, que provavelmente nunca irei citar. Eu tenho a consciência de que o que eu tenho enquanto talento e enquanto informação é suficiente para fazer muito bem feito o meu trabalho. E o meu trabalho é ser um provocador de fato. Não uma provocação irresponsável e nem uma brincadeira jocosa com a criatividade, mas exatamente saber que com o pouco que se tem é possível, além de se aprender muito mais, proporcionar curiosidade para que a partir dali se busque de fato a libertação própria.
Tudo isso foi o que a vida me levou a crer, porque ela me guiou para esse sentido, para uma busca própria. A vida me despertou um desejo claro, com uma sensibilidade bastante trabalhada. Eu consegui fazer a leitura desse chamamento, desse chamado, dessa inspiração, e fui seguir o rigor. Mesmo quando achando muito chato. Achei prazer na escola, mesmo achando várias vezes muito chato, porque a vida toda eu trabalhei todas essas minhas emoções. Se é pra estar num lugar chato, mas para lá na frente se respirar em um lugar legal, vamos viver o momento chato e ainda descobrir o momento prazeroso dentro do momento chato. Essa é a minha forma de lidar com as situações mais complicadas da vida, de lidar com a burocracia, que também é uma coisa que me assusta muito.
Como a gente vem de um mundo, de uma família, de uma cultura muito autônoma mesmo, nunca tinha uma hierarquia, nunca tinha um protocolo, nunca tinha uma autorização maior ou uma ordem de cima para a gente resolver fazer as coisas. Toda a minha visão de mundo foi de muita autonomia. De ter um rio e poder ir pescar, de ter uma montanha e poder subir, pegar uma madeira pra fazer uma lenha… Uma experiência muito pouco proibitiva. De forma que eu acredito que a gente tenha vivido sim, de fato, a ideia de liberdade. De autonomia e liberdade. Eu não tenho como falar de outra coisa, de outra experiência, porque não vivi. A minha vida foi nesse sentido, junto com a minha família. E se o nome disso é autonomia, então é o que eu tenho e é o que tenho para estimular. Porque eu não vou estimular para que as pessoas sejam empregadas ou sejam escravas ou sejam dependentes dos outros. A relação de independência é muito ligada também com a ideia de autocapacidade de cada um.

Você fez a sua própria galeria de arte, onde você tem os seus trabalhos e também os trabalhos de outros artistas indígenas. Como você vê essa força ou limitação da identidade indígena no papel de artista?


A galeria surge em 2013, como o resultado de uma provocação. É quando eu consigo reunir, em torno de uma proposta já de curadoria, oito artistas de Roraima, essencialmente da pintura e da escultura, que estavam trabalhando por conta própria há muito tempo, mais de 15 ou 20 anos. Como a Carmézia Emiliano, que é nossa artista brasileira mais premiada na categoria naïf. Ela é de Roraima. Tem o Bartô também, o Isaías Miliano, que é um excelente escultor, embora pouco conhecido. Uma esfera muito restrita de pessoas o conheceram para além de Roraima. Então aparece essa curadoria, uma proposta que eu faço com a Universidade Federal de Roraima e outras organizações parceiras. E organizamos aí uma exposição coletiva, onde eu apresento uma proposta, que é trabalhar o tema das “Vacas nas terras de Makunaima”.
Mais uma vez eu puxo o nome de Makunaima para dentro do nosso trabalho conjuntural, para que ele sirva de contextualização. Foi dessa ideia que surgiu “Vacas nas terras de Makunaima: De malditas a desejadas”. A proposta era fazer uma leitura visual, artística, do período desde que as vacas chegaram em Roraima, que a gente chama de Terras de Makunaima, aquele circum-Roraima, aqueles campos, até os dias atuais. Como é que foi que a vaca foi trazida, como é que foi essa chegada, a introdução dela no ambiente. Assim eu vou novamente rememorar a minha infância, um conflito da fazenda com as comunidades, que refletiu na minha casa, e onde eu vejo que a vaca está envolvida meio que como a vilã da história. Eu vou fazendo essas leituras através das imagens visuais. Eu me proponho o próprio desafio de, através dessas imagens, dar um sentido figurativo para as sensações primeiras, as sensações que os primeiros Makuxis tiveram ao ver os primeiros bois, logo que chegaram dos batelões de navio, subiram o barranco e não encontraram cerca nenhuma, invadindo assim toda a savana. É possível imaginar o desdobramento disso: a vaca acabando com a roça do índio, comendo tudo, o índio indo caçar a vaca e atrás da vaca vem o vaqueiro e começa a grande guerra, que nos remete aos dias atuais. Então, como artisticamente reproduzir essas sensações primeiras? Pânico, perplexidade, horror, fascínio, deslumbramento. Medo mesmo, medo extremo. De modo que são umas sete ou oito sensações, que eu tento figurar nas minhas obras. Pavor, pânico, perplexidade, encantamento etc. Eu tentei fazer uma figuração dessas sensações. Claro que sempre humanizando alguma parte do desenho, para trazer a ideia do índio e da sensação humana. Esse foi o meu trabalho.
Para os outros artistas, eu propus que cada um fizesse uma pintura que remetesse a esse contexto dos contatos do gado com os índios. A gente pediu um apoio de texto teórico do Paulo Santilli, onde ele relata lá nos seus estudos, na sua narrativa, um ritual que a gente faz ainda hoje, que é o ritual da pimenta nos olhos. Os Makuxis faziam esse ritual logo que os bois chegaram na região. Porque quando dos primeiros contatos dos Makuxis com os bois, eles adoeciam, porque os bichos eram carregados de tanta… de uma carga emocional e de fé, de uma relação extranormal, que eles adoeciam toda vez que viam um animal pastando, andando no campo. Então passavam pimenta nos olhos para se proteger, para poder olhar e não adoecer com aqueles novos animais. A partir daí, desenrola todo um histórico de conflito, que se desenvolve até os dias atuais. Aliás, até o final do século XX, quando se desenrola o grande conflito com a fazenda Guanabara, que também é um ponto crucial no fortalecimento do movimento indígena na região. E que depois, em 2009, culmina com a demarcação de todo o território da Raposa Serra do Sol em área contínua, que é um capítulo bastante longo, bastante recheado de passagens de muita violência.
A galeria vem com a proposta de abrigar essa quantidade de obras de arte que foram produzidas a partir dessas provocações. Os artistas produziram outras obras também para vender, para apresentar seus trabalhos para o público. E aí a gente ofereceu um espaço, uma casa na cidade que eu construí enquanto trabalhava como funcionário público e que estava alugada. Eu pedi a casa de volta e instalei as obras, e também começo a usá-la como um espaço de produção, como meu ateliê. Eu denominei Galeria Jaider Esbell de Arte Indígena Contemporânea. Havia as obras desses artistas, mas isso não pressupunha uma ideia de coletivo. Eu aposto na perspectiva de trabalhar uma abordagem, uma experiência de coletividade, onde os artistas são livres. Podem deixar lá as suas obras ou não, ficarem o tempo que quiser. Se sentirem amparados, mas livres ao mesmo tempo. Se quiserem um lugar de referência, de estacionar para se fazer parte de uma proposta de comunicação, podem ficar. Tem toda essa liberdade, sempre buscando atender de novo a essa ideia de autonomia, que pra mim foi muito prática, muito forte, muito viva.
A galeria vem se consolidando dentro dessa linha de trabalho, onde também entra a proposta de biblioteca, e serve basicamente para ser um ponto de referência, com uma relação muito direta com o momento atual e com a perspectiva de fazer parte de uma cena urbana de Boa Vista, mas se expandir também numa relação regional e até internacional. Especialmente de um ponto de vista de entrar para as comunidades, não como uma proposta de educação ou com uma proposta meramente política, mas com uma proposta de arte que remeta a toda essa argumentação conjuntural de falar de política, de falar de arte, de falar de território e identidade, dentro dessa maleabilidade que a gente tem conseguido conquistar, com muita insistência e teimosia, para a arte indígena contemporânea. Porque, na minha forma de avaliar, enquanto um dos expoentes da arte indígena no Brasil, é preciso dizer que os próprios indígenas ainda não conseguiram compreender toda essa mistura de conceito e de habilidade com objeto e com artefato. Ainda não conseguiram de fato perceber que eu, de certa forma, tenho ganhado a dianteira e ocupado bastante espaço por estar pensando nas questões conceituais e técnicas da arte, e por isso conseguindo uma capacidade maior da arte de provocar, e não de tentar explicar-se em si mesma. Nesse sentido, a arte entra como uma provocação e não como uma solução. Pra mim é muito claro que é possível instigar as pessoas a descobrirem, dentro de si mesmas, uma resposta, ou confrontar-se diretamente com essa ideia de uma conformação. De que não precisamos nos conformar ou acreditar que a nossa capacidade se restringe até um certo ponto. É uma provocação para instigar e tirar a situação de um estado pleno de letargia. Pouco a pouco, esse trabalho que a gente tem conseguido fazer inicia uma movimentação contra esse conformismo, um incomodar interno.
A gente começa a falar muito no assunto e aí as lideranças indígenas acabam percebendo também que existe algo de fato novo, que tem gente que está de olho, que está entendendo o que estamos fazendo. E que a gente enquanto artista não é um espião ou um inimigo do movimento indígena, mas que pode trazer para dentro do próprio movimento uma luz de um olhar externo. E não exatamente um olhar de condenação e nem exatamente um olhar de apresentar uma proposta concreta, mas de trazer uma provocação, uma possibilidade de apontar alternativas viáveis dentro de uma conjuntura mais aberta. Porque aí você chega no nível de ser um artista pensador, um influenciador, algo que esteja muito além do mero desenho. Esta é uma observação que eu faço sempre, de que a arte entre os índios ainda está muito subutilizada ao se manter numa dimensão meramente de ilustração, de desenho.
Eu continuo provocando os artistas indígenas contemporâneos a se expressarem da melhor forma possível, porque o que se precisa de fato é romper um pouco essa ideia de atendimento e desse encantamento que se fixa no visual. O visual exige, quer muito, por ser um sentido de certa forma mimado. O olho quer tudo que é bonito, que é colorido, que é encantamento, que é entretenimento, e aí esquece dos outros sentidos. E a arte indígena contemporânea tem essa força de trazer toda essa expectativa de atendimento dessas outras demandas para os outros sentidos, especialmente o mais sutil que é essa questão da espiritualidade, de ser espiritualizado. Que remete aí a uma necessidade de relação mais próxima com a natureza, e isso gera no campo prático também outra relação com o consumo e com a ideia de distância entre mundos. Você não se sente tão urbano e não vê a floresta tão longe quando você sente a necessidade de fazer parte dela. Esse exercício maior dos caminhos da arte num ambiente ampliado, novo. Existe hoje a possibilidade de surgirem novos artistas e pensadores indígenas, intelectuais e ao mesmo tempo com as espiritualidades próprias.
A galeria tem um tipo de trato, de relação com o público, que passa pela alimentação, passa pela festa, passa pelo ritual também. Ela não fica só na exposição ou na mercadoria. Ela se torna, de acordo com sua proposta, um espaço também de convívio e até de construção de outros convívios possíveis.
Exatamente. A galeria surgiu com esse propósito de, a partir da visualidade, fazer um convite. Cada vez mais, eu acredito que a cultura indígena tenha que aprender de fato, e essa é uma necessidade que eu sinto, a nos apresentarmos dignamente a essa grande sociedade. Pois se há uma certa unanimidade entre os indígenas, é de que já chega de tanta gente falando pela gente. O que a gente quer é esse espaço da fala. Já passou da hora de falar. E existe hoje uma chance real de nos apresentarmos com dignidade para a grande sociedade. E o próprio argumento nosso de que a gente não é apresentado devidamente tem que ser combatido com uma apresentação própria, devida. E que a gente consiga cada vez que a gente ocupar esses espaços, ampliá-los, mantê-los e pensá-los criticamente. Só dessa forma poderemos atender as reais demandas de como buscar o respeito, a visibilidade e a respeitabilidade dentro de uma sociedade tão opressora. Se a gente não consegue fazer-se valer das possibilidades de se apresentar devidamente enquanto cultura indígena dentro desse contexto descaracterizante que é a contemporaneidade, quando a gente sai da aldeia e vai meramente para uma escola, já deixa de ser índio porque se afastou da sua cultura.
Então a proposta da galeria realmente vem com essa proposta de ser um espaço de descobertas mútuas. É um espaço de provocação, pois o fato dela estar localizada hoje no bairro Paraviana, que é um bairro nobre, um bairro de milionários, na cidade de Boa Vista, e o fato de eu ser indígena e estar lá, ocupando aquele espaço, tem incomodado os vizinhos próximos. A gente escuta do pé da parede piadas jocosas dizendo que a gente deveria estar no mato, que não era para estar na cidade. Incomoda sim, e de certa forma é uma atuação de resistência. E estamos conseguindo avanços. A partir do momento em que a gente decide, com muito orgulho, ocupar aquele espaço legítimo, que é legal, e especialmente que seja autônomo, é uma forma sim de dizer para o grande movimento, para o Brasil, que os indígenas são totalmente plenos e capazes. Depende-se sim das questões conjunturais de oportunidade e de acesso. Mas certamente somos capazes.
A galeria vem com essa proposta de ter esse referencial de coletividade, de abranger mais de uma etnia, cinco, seis, sete etnias do povo ali da região. Ela vem também privilegiando pinturas, artefatos mesmo, objetos contemporâneos. Porque ela não tem muito essa perspectiva de museu, mas uma perspectiva de situar os índios do agora. E ao mesmo tempo com isso abrir uma grande porta para essa pesquisa, para esse alcance ancestral. Nesse sentido talvez haja sim a constituição de um museu, porque tem peças de vários povos reunidas. E a figura do indígena contemporâneo, que muitas vezes está deslocado, descaracterizado. Mas está lá, e remete a toda essa conjuntura de pesquisa e de caminhos que é possível se percorrer, de uma documentação extraoficial que vai descobrindo várias realidades, vários contextos. Essa foi a forma da gente se apresentar devidamente.
Mais de uma vez a gente já reuniu, já trouxe comunidades inteiras para a cidade, vindas da sua área, da sua comunidade, para fazer um convívio na galeria. Foram para dentro desse ambiente de galeria, num ambiente urbano. Fizemos isso com a cultura Makuxi, por exemplo. Foram apresentadas várias formas de trançado, panelas de barro, plantas medicinais. Os fazeres todos. E dentro dessa perspectiva de convidar uma comunidade e também fazer uma ou duas atividades tradicionais. E a partir dali despertar entre a comunidade uma curiosidade, uma autoprovocação, de se levantar, de se suscitar, de ressuscitar até práticas antigas, esquecidas. Já é um trabalho que não se consegue mais medir enquanto organismo, enquanto instituição. É o fazer distribuído na prática.

E a questão do artista indígena? O quanto é importante esse “indígena” para tua obra e o quanto é aprisionador? Quando vira barreira e quando vira afirmação? Você usa o termo “arte indígena contemporânea”. O que esse termo trouxe para você, o que ele significa para você, e qual o porquê dele ser usado dessa forma?


Então, é preciso deixar claro que é “arte indígena contemporânea” e não “arte contemporânea indígena”. Eu fujo de explicar muito a segunda e tento explicar muito a primeira, a arte indígena contemporânea. Ela soa com muito conforto, de entender que a arte sempre esteve entre os índios e hoje ela não ressurge, mas, através da força dos próprios artistas, e da conjuntura que eles são colocados e levados a argumentar, de que ela é contemporânea, e quando ela se argumenta de ser contemporânea, e antes de ser contemporânea ela é indígena, ela automaticamente traz no seu arcabouço todo esse reflexo ancestral, milenar, mitológico e espiritual.
Quando se diz que é arte contemporânea indígena, parece que ela vem de fora e quer se indianizar aqui com a gente, vinda de um ambiente externo, como se entre os índios não existisse antes. E chegou junto e quer meio que fazer parte, meio que na marra, não sabendo exatamente em que conjuntura. Por isso é importante sustentar que é arte indígena contemporânea, porque a arte sempre esteve entre os índios, e hoje quando se argumenta da palavra “contemporânea”, ela se veste, ela capta junto dos seus argumentos essa necessidade inclusive de ser comercial. Mas de ser provocativa bem antes de ser comercial. É uma arte de provocação, de promoção e de fortalecimento da cena e das identidades indígenas contemporâneas. A venda é uma segunda atividade e não deixa exatamente de ser necessária porque, volto a dizer, vivemos num contexto urbano, num contexto de capitalismo, somos autônomos e pensar um trabalho conjuntural sem dinheiro fica inclusive anti-pedagógico, anti-didático.
A arte indígena contemporânea entra com esse desafio grandioso de convidar o próprio índio a pensar-se numa realidade atual. Porque existe de fato uma saída muito simplória, de olhar a diversidade indígena como um único, um comum. Um grupo de pessoas que vive na floresta e querem sobreviver e lutam para sobreviver. Há uma simplificação nesse sentido. A arte indígena contemporânea provoca o próprio índio a pensar, e inclusive a pensar uma coisa além da autonomia coletiva, que é a autonomia do indivíduo, que é uma coisa que não é muito pensada originalmente nessas culturas. Não pensam o indivíduo, o próprio cidadão indígena, como se ele nunca tivesse necessidades individuais. Ou ainda sustentar uma argumentação de cultura, do termo “cultura”, quando esse próprio termo “cultura” não é esmiuçado entre os próprios representados, ou seja, as diversidades indígenas.
Nós realizamos um festival em Boa Vista, o “Encontro de todos os povos”. Foi uma parceria com a Universidade Federal de Roraima. E o Gerson Xirixana, que é da reserva indígena Yanomami, foi para esse encontro. Depois disso, ele me convidou para ir na comunidade dele, porque ele queria entender mais da capacidade que a arte tem de fazer alguma coisa nesse sentido da mídia. Porque ele percebeu que a arte poderia cumprir uma necessidade do povo dele, que era se apresentar ao mundo como Xirixana, porque depois de um tempo eles ficaram sabendo que todo mundo chamava eles de Yanomami e eles não entendiam muito bem o motivo. Aí de fato descobriram que quando foram fazer a campanha para demarcar o território, por uma questão de estratégia política e de marketing, disseram que todo mundo era Yanomami, para ganhar força e resumir o assunto. Ficou todo mundo como Yanomami. Quando eles descobriram isso, eles falaram: “não, nós não somos Yanomami, somos Xirixana. Nós temos território próprio, língua própria, região, identidade… E vamos reivindicar isso! Nós queremos ser Xirixana”.
Esse é um exemplo prático da arte entre os índios, de índio para índio. A arte vista como um recurso, como uma viabilidade, como curiosidade, como possibilidade para reivindicar algo ainda dentro dessa ideia de coletividade, mas num recorte dentro de uma individualidade, dentro de uma grande massa de corpo constituído que seria o Yanomami em relação ao Xirixana. Na primeira vez que eu fui nessa comunidade, já como artista autônomo, eu faço uma articulação com a Universidade Federal, que manda um cinegrafista para fazer uma matéria.
Isso também evidencia essa capacidade de política, de jogo de cintura e de habilidade de diálogo que eu tenho para constituir uma rede e uma fluidez de trabalho, da arte indígena contemporânea servindo a um serviço de visibilidade de um povo. E alcançando um espaço antes impensável. Fizemos a matéria, que saiu na Rede Brasil. Inclusive virou meme, numa situação daqueles caras do humor televisivo, porque a apresentadora não conseguiu falar o nome Xirixana, levou para o lado pejorativo e começou a rir. E nisso a gente tem um exemplo para evidenciar que mesmo com os aspectos positivos, sempre há os riscos de se cair numa cilada midiática, quando se busca essa abertura maior para a mídia do que a arte.
A arte indígena contemporânea vem experimentando de todos esses espaços, todas essas linguagens, todas essas tecnologias. E aí entra a proposta da galeria. A arte indígena contemporânea se argumentou desse espaço físico, se argumentou dessa linguagem, dessa proposta comercial, de ser um ambiente de reunir arte, para se fortalecer. A arte entre os índios também remete a um convite a essa questão da oralidade, de voltar de novo para descartar tanta imagem e aprender a prestar atenção na essência do ouvir. A importância enorme da fala. Para que se volte de novo a construir novas consciências e, de novo, volte para o campo das visualidades, de produzir novos conhecimentos. Esse é um instrumental muito forte, uma habilidade dos povos indígenas, que precisa ser atentada. Porque é uma forma de reordenar o pensamento, e que remete a um convite muito forte para ir além dessa conjuntura atual.
Inclusive, fica aqui uma provocação aos índios evangélicos a olharem de novo para suas ancestralidades e dar um pouquinho de força para tirar a bobeira, a cegueira do encantamento pela religião. Para botar um pouco as consciências críticas para começarem a aflorar. Tudo isso é muito novo, é muito desafiador, inquietante. A arte indígena contemporânea vem junto com uma geração de jovens artistas que são, digamos, mais atrevidos, mais afoitos. O que pode ser bom, mas que pode trazer também um perigo muito grande, porque vem acompanhado por toda essa ideia de vaidade, toda essa questão do ego, de poder. O que leva a um risco muito grande de se perder uma habilidade, uma capacidade nova dentro de uma ideia de indivíduo.
Eu me consolidei dentro do ambiente contemporâneo, cheio de todos os desafios que se apresentam e que estamos descobrindo. Por isso estou atento, mas não me sinto nem um pouco errado, nem um pouco tolhido de fazer exatamente todas essas experimentações e me utilizar legitimamente de todas as tecnologias. E de mergulhar numa provocação própria nessa ideia, nessa busca própria por uma espiritualidade, de conhecer mais com os pajés, com os xamãs, sempre numa perspectiva de um conhecimento para a liberdade. Nunca buscando um tipo de catequese, um outro tipo de engessamento ou de uma submissão a uma ideia pronta. De ter um mestre. Como aliás é muito colocado hoje nas filosofias do mundo. Pressupõem sempre uma categorização, uma hierarquização e uma dependência de um mestre, de um guia, de um orientador. E eu já não acredito muito nisso.
Nisso também reside um empenho, a minha energia justamente para ir balizando o alcance da minha fala, de como ela é recebida pela pessoa que está diante de mim, para que ela não crie nem alimente essa ideia de mestre e discípulo. Uma ideia de guru e de alguém que busca por alguém iluminado. Mas que as pessoas tenham minimamente as palavras corretas para terem as atitudes coerentes e se sentirem livres no mundo. Essa liberdade plena de viver e proporcionar vida para um ambiente maior, para além dessa ideia de dependência direta, de dependência cotidiana de uma atuação divina, numa vida que já é tão maravilhosa como é a nossa vida enquanto humano.

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