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Flávio de Carvalho: Trópico e vestuário

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Em 2009, estava realizando uma pesquisa sobre o Flávio de Carvalho, o mais anárquico e radical dos artistas modernistas brasileiros, quando me deparei em frente a um material riquíssimo: a transcrição de todas as colunas que o artista escreveu sobre a sua teoria da moda, que foi culminar na sua Experiência n.3, ou o New Look de Verão: ele criou uma roupa adequada ao homem tropical, que incluía um saiote, e desfilou com ela pelas ruas de São Paulo, em pleno meados da década de 1950, causando escândalo. Encantado com o material recém-descoberto, consegui contato com a sua família e autorizei a publicação do livro. O título foi uma escolha difícil: as colunas eram denominadas “A moda e o novo homem”, mas o autor gostaria de retrabalhá-las e publicá-las com um título novo, Dialética da moda”. Como essa adaptação não foi realizada, ficando apenas em projeto, consideramos mais acertado utilizar o título original. Para além das colunas, incluímos no livro uma conferência de Flávio de Carvalho realizada no seminário de Tropicologia, organizado por Gilberto Freyre em Recife, em 1967, que aqui reproduzimos. Além do livro “A moda e o novo homem”, foi publicado por nós o livro “Flávio de Carvalho – Encontros”.

Vou, em primeiro lugar, abordar o problema das mutações da moda através da história. É um problema complicado e delicado e naturalmente terei de o abordar de maneira sintética porque é o resultado de um estudo que já foi publicado em jornais e será publicado em livro que conterá mais ou menos 1160 páginas. Num espaço de tempo pequeno só poderia versar o assunto de modo extremamente abreviado.
Cheguei à conclusão de que dois fatores fundamentais orientam a mutação da moda através da história. Estudando a moda dentro da história, cheguei à seguinte conclusão: primeiro, temos uma manifestação curvilínea fecundante que se repete constantemente na história. Ela se apresenta com curvas e fugindo inteiramente à linha reta. É uma manifestação sensual e evidentemente fecundante. Eu digo fecundante porque propícia a acontecimentos na história, nos quais está envolvida a fecundação. A outra forma fundamental é a das retas paralelas, que chamo antifecundantes. Essas formas retas paralelas antifecundantes aparecem periodicamente nas manifestações estéticas dos grupos humanos, na arquitetura, na escultura, na pintura e principalmente na apresentação das feições da moda.
Outro fenômeno importante que creio ter descoberto, no decorrer das minhas pesquisas, foi a maneira pela qual as mutações se processam na história, dentro das classes hierárquicas de que se compõe a sociedade. Após estudar diversos fenômenos, cheguei a conclusão, que me parece acertada, de que a moda se altera, atravessando das diversas camadas hierárquicas da sociedade, de baixo para cima, iniciando-se numa camada hierárquica mais baixa, caminhando através das diversas camadas, alcança a parte da hierarquia social dominante que é geralmente o rei, a corte, os nobres que compõem a corte e os dignatários do exército e o do clero. Sempre há esse fenômeno importante. As mutações, quando concretizadas, caminham na hierarquia social de baixo para cima. Eu repito que é uma coisa importante, talvez esteja errado, não sei.
Para ilustrar o que acabo de dizer, vou apenas citar alguns dados recolhidos na história, alguns dos quais são de conhecimento público de um modo geral. Podemos começar com a civilização micênica que aconteceu entre mil e seiscentos anos antes de Cristo e se prolongou até mil e duzentos anos antes de Cristo. Há muito pouca arqueologia desta civilização e os resíduos que restam são difíceis de ser encontrados. No entanto, aquilo que existe está principalmente na arquitetura e na escultura; e mostra que essa civilização micênica pode ser considerada uma civilização curvilínea fecundante. Era composta exclusivamente de espirais, de formas vegetais curvilíneas que se repetiam sempre. Essa civilização, destruída pela invasão dos povos bárbaros provenientes do norte e que não deixaram nada, quase toda desapareceu. Dela não há senão raros vestígios. Sucedendo a essa civilização, encontramos uma outra que apresenta exatamente o oposto da manifestação curvilínea fecundante. Deparamos com a civilização “dipilon geométrica” que se processou entre mil e duzentos e novecentos anos antes de Cristo. O estilo “dipilon geométrico” mostra formas geométricas. É uma civilização que adotou as retas paralelas antifecundantes. Nela surge o célebre estilo dórico que tanta importância receberia nos estudos da arquitetura. É o começo da história da Grécia. Aparece Homero, cantando a Ilíada. É uma civilização de luto e de tristeza. As formas retas paralelas antifecundantes são associadas ao luto e à tristeza e justamente essa civilização procede de um período de destruição, de arrasamento da civilização micênico-mineana, portanto, justifica-se perfeitamente essa classificação de luto e de tristeza.
Logo em seguida, temos a civilização arcaica que se processa entre 900 e 600 anos antes de Cristo. Na civilização arcaica reaparecem as formas curvilíneas fecundantes que são precisamente a antítese dessa civilização “dipilon geométrica” de estilo dórico que a precedeu. Encontramos então as célebres estatuetas de Tegeo. Aparecem as mulheres usando uma indumentária importantíssima e que até há pouco tempo era julgada como tendo se originado no século dezesseis. Essa indumentária não se originou no século dezesseis, mas a história mostra que realmente se originou no século novecentos anos antes de Cristo. É a verdugada e a crinolina. A verdugada e a crinolina aparecem precisamente nas esculturas de Tegeo na civilização arcaica. São formas curvilíneas onde a mulher aparece usando verdugadas, que são protuberâncias laterais nos quadris. Essas senhoras usavam uma indumentária muito pesada e ricamente ornamentada. Mas a indumentária usada é a mesma que reapareceu no século dezesseis com a moda espanhola. Essa indumentária deveria ser extremamente pesada mas não há dados precisos sobre isso, nem na literatura e muito menos na etnografia. Não há dados precisos sobre o peso dessa indumentária. Mas pelo aspecto das estatuetas, chega-se à conclusão de que essa indumentária deveria pesar, pelo menos, uns oitenta quiloscada trajo completo, tanto a espanhola do século XVI como a usada 900 anos antes de Cristo. A mulher aristocrática carregava no seu corpo uma indumentária que pesaria possivelmente uns oitenta quilos! É uma suposição, devendo-se observar de passagem que as indumentárias encontradas no século dezesseis pesariam até cem quilos.
Saindo da Grécia antiga, encontramos fenômenos importantíssimos que se propagam para dentro do Império Romano, que estava nessa época em evolução. A Grécia era o centro da moda do mundo da época. Seiscentos anos, novecentos anos antes de Cristo, a Grécia ditava a moda em Roma e na orla do Mediterrâneo, todos os perfumes, todas as pomadas, todos os unguentos tinham nomes gregos, da mesma maneira que os perfumes de hoje têm nomes franceses, porque a Grécia era o centro da moda. A grega era minuciosa no seu modo de vestir e a mulher grega usava nessa época apetrechos de indumentária que são usados ainda hoje pela mulher atual. A grega usava uma cinta chamada “cintura de Vênus”, que era feita de bronze ou de ferro e que tinha como missão afinar a cintura e sobressair as protuberâncias dos quadris. Ela usava diretamente sobre os seios a Toenia, um colete para conservar os seios eretos. Por cima do vestido, a grega usava uma espécie de soutien, o Strophion, e que era fabricado com tecido de ouro e ornamentado com pedras preciosas. Para o ventre, a Zona, uma cinta para facilitar a marcha. De maneira que nós vemos que a grega era uma mulher altamente sofisticada e usava os mesmos apetrechos que nós usamos. Ela usava debaixo do braço um aparelho, o Anamacalisteron, que tinha por missão absorver o suor para não manchar o vestido. Usavam uma cinta sobre o ventre que corresponde à cinta que a mulher usa hoje para o mesmo fim. Esses apetrechos todos, através dos séculos, preenchem sempre a mesma finalidade.
Para o que desejo chamar a atenção dos membros deste Seminário é para o fato de que a civilização curvilínea fecundante arcaica é sucedida no Império Romano, por uma civilização reta paralela antifecundante de alto teor. Toda a vestimenta do Império Romano, desde o começo até o fim, é uma vestimenta que pode ser classificada como de retas paralelas antifecundantes. Na vestimenta reta-paralela-antifecundante, a cintura da mulher sobe. Ela se encontra debaixo dos seios, enquanto que na vestimenta curvilínea fecundante a cintura é baixa e se encontra na altura dos quadris. Este é um fenômeno que toda a história da indumentária registra com bastante clareza.
O Império Romano foi um período de luta, de guerra, de sangue, de grandes conquistas. A posição reta paralela antifecundante estava de acordo com o luto provocado pelas grandes guerras de conquista que teve seu expoente máximo em Júlio César. Saindo da queda do Império Romano, entramos na Idade Média, os séculos sete, oito, por aí. Essa Idade Média é extremamente interessante, porque nós observamos nela alguns fenômenos da indumentária relacionados com catástrofes de natureza social. A indumentária reta paralela conserva-se reta paralela até o século doze, treze e quatorze. Agora, no limiar do século doze, surge, nas províncias alemãs, uma série de revoltas de natureza comunista, com camponeses pregando uma igualdade, segundo eles, preconizada pela Bíblia. Essas guerras duraram longo tempo. Observamos durante as guerras comunistas-religiosas que as populações das províncias alemãs perambulavam pelas florestas, famintas, maltrapilhas, descalças e doentes, alimentando-se de raízes de árvores. Os príncipes dessas províncias organizaram exércitos de mercenários e esses exércitos conseguiram em tempo suprimir as grandes revoltas comunistas da época. Nesse período, é encontrada uma indumentária de grande importância. Surge na própria Alemanha uma tropa mercenária em trajos curtíssimos. Era um trajo composto de cortes na indumentária. Havia centenas de cortes. Os tecidos já eram vendidos nas feiras com os cortes, alguns com 1500 cortes.Era uma indumentária extremamente cara. Os mercenários pagos pelos príncipes copiaram a indumentária dos camponeses maltrapilhos que perambulavam maltrapilhos pela floresta. A indumentária em farrapos passou da soldadesca mercenária para os oficiais e, em seguida, para o estudante universitário e para a nobreza. O trajo estranho é constatado por um cronista social na época de nome Conrado Pelicanus no ano de 1400. A adoção do trajo em farrapos pela aristocracia mostra como caminha a moda na história. Surge dos homens mais humildes, de homens que mais sofriam, de homens em farrapos, famintos, doentes e morrendo, em seguida passa para a soldadesca, para os oficiais da guarda, para os estudantes da universidade, da Turíngia e finalmente para a aristocracia e para o rei. Essa é a quase sempre evolução das modas de trajo encontradas na Idade Média nos séculos XII, XIII e XIV.
Outro fenômeno importante na Idade Média, também constatado no século XIV: as mulheres usavam um enchimento colocado sobre o ventre, oferecendo a aparência de estarem permanentemente grávidas. Ao mesmo tempo, usavam mangas compridas que se arrastavam ao chão e uma longa cauda. Era uma situação de luto pelos acontecimentos que estavam em trânsito, pois nas guerras com os camponeses, ao que parece, houve de duzentas a trezentas mil mortes: uma cifra bastante elevada, considerando-se a população escassa da Europa Central naquela época. A mulher se apresenta com essa moda de ventre saltado, com cauda nas mangas, com cauda saindo do chapéu e se arrastando pelo chão. É uma grande manifestação de luto e de tristeza pela mortandade provocada pelas revoluções comunistas da época. É uma moda reta paralela com cintura alta embaixo dos seios. Posterior à moda do ventre saltado, surge a moda espanhola das verdugadas. As mulheres se apresentam ao mundo como flores prestes a serem fecundadas. É um raio de Sol proveniente da Espanha. Era Velásquez, Calderón de la Barca, era Murilo Cervantes, que apareciam no cenário da inteligência. A moda das Verdugadas e das Crinolinas perdurou durante algum tempo.
Com a Revolução Francesa, iniciada em 1794, há uma transformação completa na moda. Paris torna-se o centro da moda, não é mais Madrid. A moda curvilínea fecundante das verdugadas desaparece. Volta-se, então, à moda das retas paralelas antifecundantes. A Revolução Francesa havia cortado as cabeças de vinte a trinta mil aristocratas – não há estatística certa a esse respeito –, fato já pronunciado pelo uso das gorgueiras espanholas no século XVI, e o reino do terror provocou em toda a Europa uma situação de luto, de dor, de sofrimento. Em 1797, as “merveilleuses” aparecem ostentando longas caudas. Caudas de grande importância na nova moda – por ser a cauda de um símbolo de luto, do luto do sangue derramado pela revolução. Com o advento de Napoleão I, continua o luto. Não era bem o “reino do terror”, mas uma outra edição de terror: um terror imperialista. Napoleão I, conquistando o mundo conhecido da época, com grande derramamento de sangue e grande sofrimento para todos, apresenta-se ao mundo com uma moda de retas paralelas com cintura alta, cintura embaixo dos seios. Quando a moda Reta Paralela entra em cena na história da indumentária, a cintura se encontra sempre abaixo dos seios. Quando a moda curvilínea entra em cena, a cintura está nos quadris.
Com Napoleão I continua o uso da cauda. A cauda é encontrada nas mulheres e nos homens, e essa cauda, nas casacas, prolonga-se através do Diretório e é encontrada nos trajos das grandes cerimônias do Império. Napoleão exigia que todas as damas de honra da imperatriz Josefina usassem cauda longa. Ele se sentia inseguro quando as damas de honra não usavam essa longa cauda e a mais longa de todas era a da imperatriz. Informa-se que “a cauda da imperatriz” tinha o comprimento de 12 metros. Era a maior cauda de toda a corte de Napoleão I. Essa situação continuou até a queda de Napoleão I.
Com Napoleão III, surge na Europa uma nova mitologia sexual. Aparecem Victor Hugo, Liszt, Paganini, Rossini, George Sand e todas as mulheres passam a usar crinolinas. A cauda desaparece. A alegria volta para o mundo: inclusive a alegria sexual, a cintura que se encontrava embaixo dos seios desce para os quadris. Os homens passam a usar cintura fina. A mulher usa cintura fina, colete apertado, de barbatanas de ferro. Alguns homens, também. As mulheres usam, além disso, seios postiços enormes e quadris postiços. É moda até entre os oficiais franceses da cavalaria ostentarem grandes quadris.
Essa moda continua até 1870, e, após o desastre de 1870, a moda muda, desaparece a alegria curvilínea fecundante da moda de crinolinas e surge a moda de retas paralelas, de longas caudas, novamente a moda triste, de luto. Era o luto pela queda do Império: pela derrota do Império. Essa nova moda se prolonga até 1908, com formas retas paralelas.
Em 1850, já a mulher pretendia grandes reformas no seu status social. Encontramos a senhora Elumel passeando em Nova York com uma calça e uma espécie de saiote por cima da calça e fumando um grande charuto. Um outro avanço, em 1910, madame Paquin introduziu a jupe-culotte em Paris. Já estava, então, bem-marcado esse fenômeno de nivelamento entre o homem e a mulher pela indumentária. A mulher procurava vestir-se como homem. E, em 1910, ela usa, em Paris, uma jupe-culotte, uma casaca, por cima de uma camisa com gravata e um chapelão enorme. Essa moda a jupe-culotte provocou discussões em toda a parte, inclusive no clero: os bispos alemães lançaram veementes protestos contra madame Paquin e a moda da jupe-culotte. E madame Paquin encerrou o assunto declarando que ela lançara essa moda para facilitar à mulher movimentos necessários à vida moderna e permitir que ela dançasse o tango com mais desenvoltura. Isso acabou as discussões e os bispos alemães não fizeram mais questão e aceitaram as reformas de madame Paquin.
Desde 1910 até hoje, a reforma da indumentária se processa com um sentido de Reta Paralela antifecundante, mostrando uma situação de luto, principalmente pelas catástrofes que vão surgir. São muitas as observações que eu gostaria de fazer, mas é melhor passar para os slides. A segunda parte da minha conferência vai ser sobre o trajo nos trópicos. Com a passagem dos slides, eu poderia explicar alguma coisa a mais.
Antes disso, queria dizer duas palavras sobre a cauda, porque eu não falei suficientemente sobre a mesma. É muito importante a cauda do vestido e as implicações que levaram através da história.
A cauda aparece desde a mais antiga fase da história. Encontramos, na mitologia, o Deus Thor usando uma cauda de leão. Encontramos no século XI, o gramático Julis Polux recomendando a cauda para os funerais. Em 1176 o papa Alexandre III se desentende com o doge de Veneza porque o doge de Veneza queria usar uma cauda maior do que a dele. O papa proíbe ao doge de Veneza usar uma cauda maior do que a do papa. Mas o caso é que o doge tinha um exército maior do que o de Alexandre III e finalmente o papa concordou com que o doge de Veneza viesse a usar uma cauda tão longa quanto a sua própria cauda papal.
Em 1324, o concílio de Toledo proíbe o clero de usar cauda. Já em 1431, o papa Eugênio IV declara que só daria absolvição se a pessoa que usasse uma cauda o fizesse “sem más intenções”. É muito interessante; gostaria de saber como é que o papa Eugênio IV haveria de cientificar-se das más ou boas intenções de quem usasse uma cauda no sei trajo. É profundamente curioso.
Em 1509 (época de Ticiano), o senado de Veneza proíbe o uso da cauda. Ninguém podia usar mais cauda. E no século XVIII, um dos papas nega absolvição a quem usar cauda. Posteriormente, houve novas discussões sobre o assunto.
Eu queria chamar a atenção para o fato de que a cauda sempre aparece na história como um apetrecho de tristeza e de luto, coisa antissexual e anti-alegre. E falando em cauda de uso animal, observe-se de passagem que a égua quando se encontra em estado de cio, levanta a cauda e quando está fora do cio, aperta a cauda de tal maneira que não há força humana que consiga levantar a cauda da égua.

Agora, vamos passar slides [O conferencista começa a exibir slides como ilustrações do seu trabalho. Os trechos que se seguem referem-se a slides].
Vemos aí as gorgueiras espanholas que apareceram no século XVI, já prenunciando a grande catástrofe da Revolução Francesa. As cabeças se encontram seccionadas do corpo, mesmo como aconteceu com o reino do terror e a guilhotina.
Aí temos o estilo dórico que nos mostra as retas paralelas do estilo dórico situado entre 1600 e 900 anos antes de Cristo.
Agora aqui nós já temos as formas curvilíneas fecundantes das verdugadas e das crinolinas. São crinolinas dos séculos XVI e XVII e da civilização arcaica 900 anos antes de Cristo.
Aqui nós temos imagens de egípcios. Uma dama egípcia que está se perfumando e que está sendo tratada por uma espécie de cabeleireiro da época.
Aqui temos um herói grego, usando uma “clamide”, que naturalmente é de cor vermelha, a cor dos heróis de todos os tempos.
Aqui já estamos em plena Idade Média e observamos já o fim das formas retas paralelas, com o começo de formas curvilíneas fecundantes. Embaixo, à direita, temos um homem e uma mulher usando a mesma indumentária. Aparecem diversas vezes na história. No começo de Roma, o homem e a mulher usavam a mesma toga sobre o corpo nu.
Aqui temos um guerreiro do rio Araguaia, onde estive há alguns anos, usando uma indumentária de pele de onça. Ele não está usando uma pele de onça. Ele tem a pele de onça pintada sobre o corpo. Desejo chamar a atenção dos membros deste seminário para a pintura no corpo do índio. A origem da pintura ligada ao trajo é desconhecida. Ninguém sabe explicar bem o que é ou como começou essa associação. Penso que a pintura do corpo como a dos índios atuais do Araguaia é um resíduo de antiga indumentária usada pelos próprios índios.
Reputo que os elementos que deram origem às modas no mundo se encontram na mais baixa hierarquia social. São os indigentes, os alucinados, aqueles que perambulam pela rua, maltrapilhos, são esses que dão as formas da moda a vir. Apontei esse fenômeno em 1955 pela imprensa. Estamos vendo aí dois maltrapilhos, a reprodução foi feita por mim há alguns anos atrás. Hoje aparecem nos Estados Unidos elementos iguais a esses, perambulando pelas ruas de Los Angeles e de São Francisco e que são os hippies, elementos que estão influenciando a moda. A minha observação foi um prognóstico feito em 1955.
Vemos aí o fenômeno da Revolução Francesa. Com formas retas paralelas e antifecundantes. O Diretório também usa as mesmas formas retas paralelas antifecundantes. Momento de tristeza e de luto social.
Aqui temos uma ilustração da cauda. Ali embaixo, a imperatriz Josefina com a sua enorme cauda de 12 metros e esses animais ao lado são animais pré-históricos, com caudas parecidas com a da imperatriz.
Temos agora as mulheres do século XVII, usando formas com criolinas, formas já fecundantes, e mais adiante temos mulheres de anos mais recentes usando formas retas paralelas, uma consequência do sangue derramado pela Revolução Francesa. Uma imperatriz do século XV e ao lado uma mulher com as suas roupagens retas paralelas e logo em seguida a mulher adotou os trajos provenientes da moda espanhola e que está ali, no número três, parece.
Aqui temos uma mulher que apareceu no Diretório, em seguida uma mulher usando anquinhas que é posterior à queda de Napoleão I e já o início de Napoleão III. Observamos que as retas paralelas têm uma longa cauda que é sempre um sinal de luto na história.
Aqui temos uma deusa, Ártemis, segurando uma longa cauda com o seu braço esquerdo. E, naturalmente, a deusa Ártemis apareceu na iconografia uns 600 anos antes de Cristo.
Aqui temos elementos da mitologia asteca e egípcia. Um homem usando uma cauda. Um elemento da mitologia asteca usando também uma cauda. São seres trágicos que usam caudas: deuses e sacerdotes sanguinários.
Aí temos a moda do ventre saltado, as mulheres que apareceram nos séculos XIII e XIV, ostentando a aparência de estarem permanentemente grávidas, com um chapéu de ponta e longas mangas que são caudas. São os séculos das grandes comoções comunistas-religiosas. E à distância um cristão das catacumbas orando. Usa formas retas paralelas. O cristão das catacumbas é um elemento trágico.
Aqui temos uma manifestação da moda do homem esfarrapado. A moda dos tecidos cortados que alcançava a aristocracia no princípio do século XIV.
Aqui nós temos a reprodução de um lansquenete à esquerda que é um mercenário alemão, aquele que suprimiu as revoltas comunistas dos séculos XII, XIII e XIV. A moda surgiu nos camponeses maltrapilhos e famintos. No centro nós vemos um cavalheiro da alta aristocracia, mostrando um rasgão proposital na perna esquerda. Um rasgão era a moda na época. Uma moda copiada do homem em farrapos, doente e maltrapilho que perambulava faminto pela floresta. No lado direito temos a reprodução de um outro lansquenete ostentando na perna direita um grande rasgão proposital além dos tecidos cortados do blusão.
Aí tem uma coisa deveras interessante: estatuetas do rio Araguaia que eu colecionei entre os tapirapés e os xavantes e que representam mulheres que têm uma deformação na perna que evidentemente é proposital. Penso que em épocas remotas, as mulheres tinham essa deformação como sendo proposital, a fim de torná-las aparentemente mais fecundantes. É uma moda curvilínea fecundante. Essa deformação é encontrada também na África em diversas regiões.
Aí encontramos em certas regiões da África, mulheres usando também crinolinas. Homens que eram bailarinos e que usavam também crinolinas, no século XIV e XV.
Aqui nós temos uma moda que surgiu logo depois do século XVI, que se chamava a moda das lavadeiras. As mulheres usavam uma saia levantada na frente para imitar as lavadeiras. Um aspecto interessante esse porque as lavadeiras pertencem a uma hierarquia social mais baixa do que a hierarquia das aristocracias que usavam a moda das lavadeiras.
Agora temos uma coisa importantíssima de que eu ia falar antes e me interrompi a mim próprio e não falei. É a origem da casaca. A casaca tem origem na mais baixa hierarquia social. A casaca se originou com as conquistas de Luís XIV, com as invasões da Alemanha feitas pelos exércitos de Luís XIV. Luís XIV andava sempre à frente de suas tropas. Ele invadiu a Alemanha e os soldados de Luís XIV copiaram o trajo do camponês alemão que era uma casaca. No lado esquerdo, nós temos a representação de uma casaca de uma estatueta de índio Carajá do rio Araguaia (Coleção do autor). É muito interessante esta estatueta, porque o índio Carajá faz isso sem saber o que está fazendo. Talvez seja uma reminiscência de uma antiga indumentária. Mas parece que a pintura do corpo dos índios brasileiros de outras regiões se referem efetivamente a indumentárias usadas e esquecidas.
Evolução da casaca. Do lado esquerdo, temos um soldado de Luís XV. Esse soldado é um soldado de infantaria de Luís XV. Ele não podia andar com aquela casaca incômoda, caindo sobre as pernas, por isso ele pegou as pontas e amarrou atrás, para poder caminhar melhor.
Logo em seguida, temos uma outra forma de casaca que se vê mais adiante. Depois, temos uma casaca do Diretório.
Aqui temos mais casacas. Já estamos em 1898, do lado direito.
Aqui, voltando para trás, nós vemos dois elementos que se vestem da mesma maneira. Um homem e uma mulher sumerianos que se apresentam vestidos da mesma maneira. Seria uma idade púbere da humanidade. E, falando em idade púbere, observamos que entre os gregos da mais remota antiguidade, o homem e a mulher se apresentavam com o mesmo aspecto, até mais ou menos 17 anos, quando o homem adquiria maioridade e alcançava uma idade púbere. Então o homem cortava os seus cabelos, que eram compridos como o da mulher, e os oferecia a um Deus da Juventude eterna, que também tinha cabelos compridos. E é por isso que eu dei o título de Idade Púbere quando o homem e a mulher vestem a mesma indumentária e têm aparência idêntica. Hoje com o trajo unissexo, aproximamo-nos de uma Idade Púbere, prognóstico feito por mim em 1951.
Aqui nós temos o uso da calça. Muita gente pensa que a calça se originou na Gália, e que foi descoberta por Júlio César durante as suas grandes conquistas. No mesmo slide, nós temos um grego de 600 anos antes de Cristo que seria um camponês grego usando uma calça. De maneira que a calça não se originou na Gália, como muita gente pensa. A calça tem a mais humilde origem. É uma indumentária do camponês grego, como nós vemos aí, que se passa para os soldados, para os guerreiros, vai para a corte, para a nobreza e se espalha pela nobreza.
Aqui, nós temos diversos tipos de toga. Tem uma toga que era usada pelo homem e pela mulher ao mesmo tempo a toga restrita), sob o corpo nu e andavam descalços pelas ruas de Roma, no começo de Roma.
Aqui, nós vemos, se não me engano, em 1856, do lado direito, usando calça e um saiote estranhíssimo de quatro prateleiras, envergando um guarda-chuva e fumando um charuto, a senhora Bloomard, uma feminista. Os movimentos feministas têm uma grande importância nessa questão de nivelamento entre o homem e a mulher e sobretudo em nivelamento de indumentária. Nós caminhamos para um momento em que a indumentária do homem e da mulher vai encontrar-se. Seria, pergunto eu, uma idade púbere?
Aí, temos índios da Patagônia, e outros elementos.
Estamos em 1908, com a jupe-culotte. Dela há diversas categorias. Sempre presente, um elemento de cintura alta da mesma época. Todas as categorias desse tipo de trajo ostentam forma Reta Paralela antifecundante.
Aqui nós temos um elemento, no centro, usando uma jupe-culotte com formas Retas Paralelas antifecundantes, como também o elemento da esquerda, que todos vêem, uma mulher envergando uma casaca, uma calça, gravata, etc.
À direita, uma mulher com a cintura na altura do joelho que se encontra muito raramente na etnografia da moda.
Aqui, elementos de Retas Paralelas no centro e um início de crinolina ao lado direito que pertence à época século XVI.
Aqui, estamos em pleno 1910. No centro, a princesa Mary da Inglaterra e do lado esquerdo outra princesa, ambas usam formas Retas Paralelas. Estamos nas vésperas da Grande Guerra de 1914. A Primeira Guerra Mundial.
Aqui, novas crinolinas, isso é anterior à Revolução Francesa. Estamos agora no Diretório e logo depois do Diretório.
Aqui temos uma mulher envergando uma indumentária da Idade Média, claramente e apropriadamente Reta Paralela.
Quando as formas assumem a forma Reta Paralela, a cintura vai logo abaixo dos seios. E quando assume formas curvilíneas fecundantes, a cintura é nos quadris. Vemos aí a cintura nos quadris, com as formas curvilíneas fecundantes. A imagem da esquerda é a filha de Ticiano do século XVI.
Aqui temos uma comparação do homem do começo, em que, naturalmente, homem e mulher se vestiam da mesma maneira: andavam nus, eram caçadores, trajavam da mesma maneira. Ao lado temos um homem situado a 6.000 anos antes de Cristo, homem e mulher trajando da mesma maneira.
Aqui temos uma mulher usando um chitão dórico, um guerreiro usando uma clamide, uma figura egípcia usando uma forma Reta Paralela.
Aqui, novas formas Retas Paralelas, com cintura alta, como nós vemos ali, uma ao lado da outra. Embaixo já o início da crinolina, tanto no homem e mais embaixo temos mulheres com crinolina.
Aqui o homem se apresenta com quadris salientes, a mulher também, no mesmo século. Ao lado direito, trajos de Retas Paralelas.
Aqui temos formas fecundantes curvilíneas: o homem, também com a cintura fina. São homens de Napoleão III, portanto de 1870. Representam alegria de viver. E o início da belle époque, a primeira belle époque, em que as emoções românticas estavam em moda. O homem aparece com a cintura fina, o mesmo que a mulher, quadris saltados, seios protuberantes. É um homem que se apresenta com formas femininas.
Agora, chapéus, e eu não vou discutir chapéus porque é um assunto muito longo e eu não quero tomar o tempo dos comentadores. O chapéu é muito importante na história da indumentária. O chapéu é uma figuração da alma do homem. O homem primitivo é o homem que mais cuida da alma. A alma se encontrava na cabeça e era em forma de chapéu. Esses chapéus todos são representações da alma.
Ali, na figura central, um cavalheiro com uma arapuca instalada em cima da cabeça para impedir que a alma fuja do seu corpo.
Agora nós vamos começar a falar, alguma coisa, sobre joias. Sou de opinião que as joias têm origem na mais humilde das classes sociais, que são os prisioneiros, os escravos e aqueles que estão totalmente por baixo. Eles usavam correntes, argolas no pescoço, como castigo. Nós temos aí, os nossos escravos, também usavam essas coisas, também como castigo. A História mostra que a história da própria coroa de espinho tem uma origem também de castigo. Era usada pelos prisioneiros de guerra, coroas de espinho, de ferro e de outros metais.
Aí nós temos elementos de etnografia, que estão usando arapuca para apanhar a alma, que são argolas colocadas em cima das casas, ou então em redor do pescoço, nos ouvidos e no nariz com o fito de impedir que a alma possa fugir do corpo.
Aí nós vemos imagens de prisioneiros sendo carregados, amarrados com correntes que é a origem dos colares usados pelas damas da sociedade de hoje.
Aí nós temos uma figura egípcia de uma mulher amarrada pelos pés para impedir que ela se movimentasse, pois o seu amante ou marido não queria que ela se ocupasse de outros homens. Ela era amarrada com pesadas argolas nos pés para impedir a fuga. Embaixo tem diversos tipos de argolas que eram usadas pelos prisioneiros e pelos escravos.
Agora temos a coroa. A coroa de espinhos. Era vegetal e passou a ser um objeto de castigo. A coroa de espinho de Cristo era realmente um apetrecho de castigo e passou a ser uma espécie de castigo para os prisioneiros que usavam uma coroa de ferro com espinhos de ferro e ficavam com a cabeça toda ensanguentada e depois passou para o culto religioso.
Agora, duas palavras sobre o trajo atual e sobre o trajo adaptado do trópico. A minha intenção de projetar um trajo adequado ao trópico era somente uma necessidade de modificação da indumentária, mas também era um prognóstico, foi um prognóstico feito há 11 anos atrás, de acontecimentos que estão se iniciando hoje. Esses acontecimentos são muito importantes porque demonstram a existência de um nivelamento entre o homem e a mulher pela indumentária e que nós vamos possivelmente presenciar em tempos futuros.
A indumentária que inventei era provida de válvulas no blusão, de maneira que o movimento dos braços permitia a renovação do ar situado entre o tecido e o corpo, enquanto que o movimento das pernas permitia a renovação do ar entre o saiote e o corpo.
Procurei inventar uma indumentária correspondente ao chamado smoking. A gola em redor do pescoço é apenas um substituto do colarinho. Pode ou não ser usada, mas não chega a apertar ou incomodar o pescoço nem impedir a circulação. Tem uma finalidade psicológica, de ponto de apoio, para compensar a inferioridade quando ele anda por aí. Nas pernas eu coloquei uma meia de malha de pescador, que hoje chamam de meia de malha de pescador e que realmente era uma meia de bailarina, que eu adquiri numa casa que vende artigos de bailarina. A função da meia de pescador era a de esconder as varizes que certas pessoas têm. A sandália é uma sandália comum. Eu não pude aperfeiçoar a sandália nem desenhar uma nova sandália.
Na época não havia tecidos apropriados. Com os tecidos atuais, a ventilação seria quase perfeita. Esse modelo é um pré-modelo, por assim dizer.
O blusão é aberto embaixo, de maneira que o ar circula. O ar quente sobe e sai pelo pescoço.

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