Pular para o conteúdo

Palavras Andantes: Maria Mercedes Carranza (Colômbia)

  • por

María Mercedes Carranza (Bogotá, 1945-2003). Poeta e jornalista bogotana. Participou da Assembleia Nacional Constituinte de 1991, representando a Aliança Democrática M-19. De 1986 à 2013 dirigiu a Casa de Poesia Silva, em Bogotá. Publicou, entre outros livros, Vainas y otros poemas (1972), Tengo miedo (1983), Hola, soledad (1987) e Maneras de desamor (1993).

BOGOTÁ, 1982

Ninguém olha para ninguém de frente,

de norte a sul a desconfiança, o receio

entre sorrisos e cuidadas cortesias.

Turvos o ar e o medo

em todos os saguões e elevadores,

nas camas.

Uma chuva fina cai

como dilúvio: cidade do mundo

que não conhecerá a alegria.

Odores suaves que parecem memórias

depois de tantos anos em que eles estão no ar.

Cidade inacabada, sempre pronta

a parecer algo

como uma menina que começa a menstruar,

precária, sem qualquer beleza.

Pátios do século dezenove com gerânios

onde velhinhas ainda servem chocolate;

pátios de cortiços

em que habitam calcinadas a sujeira e a dor.

Nas ruas íngremes e sempre crepusculares,

luz opaca como filtrada

por folhas de alabastro,

ocorrem cenas tão familiares quanto a morte e o amor;

essas ruas são o labirinto que hei de andar e desandar:

todos os passos que no final serão minha vida.

Cinzentas as paredes, as árvores

e dos habitantes o ar da cabeça aos pés.

Na distância o verde existe, um verde metálico e sereno,

um verde Patinir de lagoa ou rio,

 e atrás das colinas talvez possa se ver o sol.

A cidade que eu amo se parece demasiado com minha vida;

estamos unidas pelo cansaço e pelo tédio da coexistência

mas também o costume insubstituível e o vento.

*

POEMA DE AMOR

Lá fora o vento, o cheiro metálico da rua.

Uma vez dentro, vai deixando tudo o que leva,

primeiro a bolsa e o sorriso;

se livra dos rostos que viu naquele dia,

os desentendimentos, a paz fingida,

o sabor enjoativo do dever cumprido.

E se despe como se para poder tocar

toda a tristeza que está na sua carne.

Ao se encontrar desnuda,

se busca, quase como um animal que se fareja,

se inclina sobre ela e espreita:

inicia uma longa confidência terna,

pede respostas, talvez ela tenha um olhar turvo;

separa os joelhos e como uma loba se devora.

Lá fora o vento, o cheiro metálico da rua.

*

ELEGIA

Caminhava olhando o céu

E cai de nariz ao chão.

Agora jorro sangue por toda parte:

Os joelhos, o ar, as lembranças;

Minha saia se rasgou

E eu perdi os brincos, a razão.

Não existe na alma

Uma outra maneira

De viver um desamor?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *