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Tertuliana Lustosa: Princípios-babados do Traveco-terrorismo

Tertuliana Lustosa é artista visual, pesquisadora e cantora, com um trabalho provocador e de grande força e qualidade sobre a arte queer. Abaixo, reproduzimos um fragmento do livro “Manifesto Traveco-Terrorista”, de Tertuliana Lustosa, publicado nos Cadernos de Cultura e Pensamento em 2024.

BAFO 1
Não se nasce mulher, torna-se traveca.

BAFO 2
Enquanto o queer desfaz gênero na teoria, a travesti desfaz gênero na prática. O traveco-terrorismo é capaz de ir despedaçando, progressivamente, os estereótipos homem/mulher, homo/hétero, natural/artificial. Durante o evento “Desfazendo gênero”, em Salvador, após a fala da yankee Judith Butler, a puta e ativista transvestigenere Indianara Siqueira pronunciou-se da seguinte forma: “Butler, você desfaz gênero na teoria, eu desfaço gênero na prática”.
A manifestação de epistemicídios… contribui para essa noção de sexo, tão criticada pelo queer. Traveco-terrorista pode ser também aquele que problematiza discursos sobre gênero com teor de apagamento epistemológico ou a visões acadêmicas apartadas da experiência de desviante no contexto brasileiro/latino-americano.
Indianare-se.

BAPHO 3
O traveco-terrorismo, a despeito das censuras do academicismo, autodeclara- se como arte brasileira em guerra pela sobrevivência. Após o medievo, quem atinge trinta e poucos anos de expectativa de vida? No Brasil, 35 anos é a expectativa de vida da travesti.
Mas a despeito da expectativa de vida da travesti, fomos nós quem nos autorizamos a viver, adotamos a intervenção clandestina imediata em nossos corpos e a escrita-viva por meio de processos de corte. Também a despeito da nossa expectativa de vida-capitalista, nós já nos autorizamos a viver anarquicamente. E nem pedimos licença a Bakunin.

BAFO 4
Seja marginal, seja D.I.V.A.

BAFO 5
Junto à investida traveco-terrorista no Brasil, políticas anarca-travesti comportam-se como vírus em relação ao capitalismo e, ao mesmo tempo, agem por meio de alianças estratégicas para a autonomia tráfeminista da América Latina.

BAFO 6
Arte-capitalismo é a antropofagia de poucos. PreparaNem para Jeff Koons: “Vem PreparaNem/ Vem PreparaNem/ Tem viado e sapatão/ E vai ter travesti também”.

BAFO 7
“A pele que habito” torna-se o grande legado traveco-terrorista. Não basta a castração antropofágica, lembrou-nos Almodóvar. Estamos a realizar compulsoriamente o tratamento hormonal e esculturas vaginais nos corpos de Hegel, Nietzsche, Foucault, Derrida, Deleuze, Ginzburg, Marx, Bakunin, David Bowie e Almodóvar.

BAFO 8
Candy Mel ameaçou o diabo de morte antes de Nietzsche. O falo morre na ameaça, exatamente porque ele nunca existiu de fato.

BAFO 9
No traveco-terrorismo, o retorno à Era dos manifestos é clandestinidade. Não é sobreposição, permuta nos estratos sociais ou do sistema de arte, nem sequer retorno- negação. Manifestos como escritas de novos modos de vida, conexão brejeira, corpos expandidos, regimes não mais dicotômicos nem do uno, do universal: em seu lugar o regime do 3, como via clandestina para o 4, 5, 11, 187… Brasil virou BRTrans. Bandeira operação e processo.

BAFO 10
A academia-epidemia traveco-terrorista: tucking/tapingna graduação, prótese de silicone no mestrado, buceta da Tailândia no doutorado.

BAFO 11
Yankees são a infância da História. Para desarticular o pós-espírito yankee, podemos sim renunciar ao posto de teórico queer. Na teoria TRÁ, podemos ser muito piores.

BAFO 12
A “identidade de gênero” passa a ser denominada também poesia de gênero, abrindo porosidades das membranas liminares entre corpo e sensibilidade. As escritas de gênero ocupando os territórios movediços da literatura expandida…

BAFO 13
Ser ou não ser antropofágico. Eis uma questão de tática. Os ditos antropofágicos vão fazendo suas modernidades, mas não quando o povo canta Olodum ao lado de Caetano Veloso: não é cis-ão. É trans-ito. Coletivos de arte, batucada no Pelourinho, escolas-parangolés de corpo-etc. como protagonismos-etc. A recusa o anti-X também é uma recusa do impeditivo do diálogo. Enquanto isso, eu faço a chuca mesmo.

BAFO 14
O terrorismo daquela pessoa que o senhor chama de traveco é uma posição filosófica de escavamento das suas frequências não-binárias e também uma não aceitação dos modos de vida cisgênera como verdade única.
Terrorismo como uma desfeitura (sic.) das armas coloniais através do erro, da desordem e da produção de uma contraconduta que incomoda, que agride, que é bombardeada, porém, que resiste.

Terrorismo porque somos radicais sem que precisemos reproduzir preconceitos do senso comum.

BAFO 15
Não se torna mulher, tonam-te traveco.

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